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O Brutalista varia entre o imponente e frustrante na busca de um épico americano

Dirigido pro Brady Corbet, filme usa chegada do arquiteto Lászlo Toth aos EUA para falar de identidade e arte

20.02.2025, às 08H41.
Atualizada em 20.02.2025, ÀS 09H36

Do design minimalistae uso de materiais crus, a arquitetura brutalista visana criação de algo voltado para sua funcionalidade e seus habitantes. Críticos, porém, associam essa linha de design com coisas frias, sem alma e ao totalitarismo, em parte devido a como a escola, amplamente aplicada em prédios do governo da época, se tornou inseparável da antiga União Soviética aos olhos ocidentais. Quanto disso está na arte em si? No concreto exposto nos prédios, nas linhas duras do desenho, e quanto vem da bagagem cultural do mundo dividido pós-Segunda Guerra? Com três horas e meia de duração e filmado em VistaVision 35mm, O Brutalista de Brady Corbet articula as respostas para essas perguntas com graus variados de sucesso.

Seus debates sobre arte, indústria e identidade começam com chegada do arquiteto húngaro e judeu László Toth (Adrien Brody) nas praias estadunidenses em busca de santuário enquanto a Europa lida com o nazismo. Numa cena que propositalmente trará à mente a sequência em Ellis Island no começo de O Poderoso Chefão Parte II, Corbet flexiona seus músculos cinematográficos, girando e circulando sua câmera enquanto nos leva do porão de um navio escuro em direção o céu aberto (um quadro em branco, assim por dizer) onde a Estátua da Liberdade paira de cabeça para baixo – a primeira de algumas metáforas nada sutis sobre a América e seus imigrantes.

Brutalismo, porém, não é sobre sutileza, e em seus melhores planos, Cobert comunica bem a grandeza e a escala apropriadas para um filme constantementemagnífico, mas ocasionalmente frustrante. A abertura, axuliada pela trilha faustosa de Daniel Blumberg, é um estrondo cujo eco se mostra indispensável para nos carregar durante a fantástica primeira parte do longa, que rapidamente leva o arquiteto fictício, carregado pela atuação de Brody, dos becos nova-iorquinos aos arredores da Filadélfia, onde mora seu primo Atilla (Alessandro Nivola), agora casado com uma shiksa, convertido (por conveniência) ao catolicismo e rebatizado como Miller. “Você está sempre vendendo algo”, Toth observa, ao entender o grau de entrega do seu primo ao oportunismo.

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Trabalhando ali, os dois são encarregados pelo herdeiro de um herdeiro (Joe Alwyn, insistente em interpretar apenas babacas) de reformar a biblioteca da mansão de seu pai, um processo que revela o cuidado de Cobert e do diretor de fotografia Lol Crawley no registro de formas e texturas, essenciais para entendermos a beleza das criações de Toth. Esse banquete visual, porém, termina com a amarga sobremesa da chegada inesperada do proprietário. Furioso com a surpresa, Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), os expulsa do local, e quando fica claro que eles não receberão um tostão, Atilla demite Toth sem cerimônias e fecha a porta para ele, literal e emocionalmente. Essa não será a última vez que László é aceito ou rejeitado com base em margens de lucro.

Harrison, interpretado pelo surpreendentemente hilário Pearce como um pateta rico o suficiente para se achar um intelectual, é o principal responsável por esse vai-e-vem, já que algum tempo depois de chutar László Toth para fora de sua casa, o magnata descobre o currículo do arquiteto, formado na Bauhaus e celebrado no leste europeu, e parte atrás dele em busca primeiro de amizade, e então de serviço. Sua proposta é construir um centro cultural em homenagem à sua falecida mãe, mas seu objetivo parece ser o de possuir um monumento ao seu próprio nome. 

Na relação entre os dois, Cobert e a roteirista Mona Fastvold encontram o meio perfeito para disseminar as ideias de capitalismo e aproriação de O Brutalista, assim como o espaço ideal para inserir uma dose bem-vinda de humor. O filme de Cobert nunca deixa de ser pretensioso, mas sua capacidade de rir (tipicamente às custas de Pearce) do suposto intelectualismo dos debates de Toth e Van Buren nos impede de rir do suposto intelectualismo do longa em si. Cobert sabe que tipo de filme ele está fazendo, e corretamente identifica a necessidade de oferecer um escape.

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A segunda parte de O Brutalista se preocupa tanto com a construção da obra e seus vários obstáculos, quanto com a chegada de Erzsébet (Felicity Jones), a esposa de László, aos EUA depois de anos lutando para fugir da Europa junto de sua sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy). Em ambos núcleos, Cobert e Fastvold tropeçam nas limitações de seu roteiro. Visualmente, O Brutalista segue capaz de colocar em tela uma imagem marcante, e o cuidado de Cobert em sempre enquadrar seus personagens na geometria das portas e janelas aos seu redor nos força a considerar constantemente o efeito da arquitetura, e por tabela da arte, em pautar a existência deles. Na escrita, porém, esse tipo de nuance e riqueza logo se esgota.

Apesar dos esforços nobres de Jones, que sofre para lidar com o sotaque mas se mostra disposta a encarar emoções intensas, Erzsébet jamais é elevada do papel de uma esposa circulando a órbita de seu genial e assombrado marido. Isso culmina numa cena em que ela sente na pele as consequências do vício em heroína que László desenvolveu ao cruzar o oceano, uma metáfora óbvia para os riscos do estilo de vida dele. O paralelo buscado na droga representa bem os tropeços de Cobert. Além de sublinhar algo já evidente no subtexto do longa (e ainda mais palpável no olhar quebrado do excelente Brody, sempre interpretando Tóth como alguém no limite), isso levanta contextos culturais que o filme não está apto (ou disposto) a encarar, especialmente quando vemos que László divide a dependência com um amigo negro (Isaach De Bankolé, ótimo num papel pouco aproveitado).

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O agravante maior vem quando a violência de Harrison contra László – o americano não para de desvirtuar a intenção do arquiteto e se apropria do gênio como algo exótico para exibir aos colegas brancos, desde que o custo para fazê-lo não seja alto demais – é externalizada numa cena repugnante. Novamente, pedir por sutileza num épico que usa o ato da construção para falar sobre nações e seus povos é ingenuidade, mas o clímax do relacionamento entre os dois homens deixa claro como, talvez devido à falta de confiança de Cobert na sua capacidade de comunicar temas claríssimos, O Brutalista não sabe se resolver. Inseguro, o diretor opta pelo choque vazio.

Brutalismo pode não ter bases graciosas, mas é um estilo que reconhece o valor da simplicidade. Outrora imponentes e imaculadas, as superfícies de O Brutalista são manchadas por essas decisões opulentas, assim como por acidentes infelizes. Cobert usa imagens e gravações de arquivos da época para ilustrar a passagem no tempo, e estes incluem discusrsos sobre a criação de Israel, algo que sai de contexto para o texto quando Zsófia decide se mudar pra lá, e tenta convencer os tios a fazerem o mesmo. A cena em que a garota declara sua vontade deixa implícito o desprezo da sobrinha pelo quão “pouco judeus” eles viraram em terras norte-americanas, mas o cineasta para por aí. Alguns serão rápidos em dispensar o filme como sionista, mas a verdade é que o diretor parece apenas temeroso de encarar a polêmica, e não há como culpá-lo pelas circunstâncias do lançamento de O Brutalista, que começou a ser feito em 2022, muito antes das tristezas recentes na Palestina.

O epílogo, que entrega de forma didática as motivações pessoais de por trás das obras de László, porém, sugere que Corbet não vê Israel como uma solução, mas sim como mais um lugar disposto a tomar a voz do artista. Harrison o fazia pelo ego, outros fazem pela fama. “Eu não sou quem eu esperava,” Toth proclama em determinado momento. O maior feito de O Brutalista vem na identificação de como essa quebra entre expectativa e realidade acontece, e quem a causa, ou o que. Como dinheiro, poderosos, guerra e preconceito conseguem retirar da arte e das pessoas a sua alma. Talvez esse seja o melhor argumento a favor do brutalismo. Na majestade temível do concreto, essas construções resistem à erosão do tempo e da ganância.

Crítica escrita durante a Mostra de SP, onde O Brutalista foi exibido, em outubro de 2024. Distribuído pela Universal Pictures e indicado a 10 Oscars, O Brutalista estreou nos cinemas brasileiros em 20 de fevereiro de 2025.

Nota do Crítico
Bom