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O Dono do Jogo | Crítica

Suspense com Tobey Maguire se conforma com o mistério de Bobby Fischer

29.04.2016, às 11H50.

Melhores amigos na vida real, Tobey Maguire e Leonardo DiCaprio têm em comum também essa fotogenia de garoto, de quem parece que nunca envelhecerá, nem perderá o jeito de inocência inscrito nos olhos claros. É uma qualidade crucial para que Maguire faça em O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice, 2014) um papel muito parecido com o de DiCaprio em O Aviador (The Aviator).

A cinebiografia do mítico enxadrista Bobby Fischer refaz brevemente sua infância e se concentra no ano de 1972, em que Fischer virou uma sensação midiática ao desafiar o campeão russo Boris Spassky pelo título de campeão mundial de xadrez - duelo transformado, no contexto de Guerra Fria, em um evento político que mobilizou as lideranças dos dois blocos rivais. É o mesmo período escolhido pelo bom documentário Bobby Fischer Contra o Mundo, de 2011, que também trata da turbulência emocional de Fischer para tentar explicar a ruína física que se seguiu ao auge no esporte.

Assim como o Howard Hughes de O Aviador, Fischer representa o lado mais voraz e obsessivo dos self-made men que personificam o sonho americano. O prodígio serviu à propaganda dos EUA na Guerra Fria não apenas por ser um dos poucos capazes de derrotar o comunista Spassky (vivido no filme por um Liev Schreiber mal aproveitado), mas principalmente por ser essa materialização de qualidades tão americanas quanto a soberba e o direito adquirido. No filme, quando está no Brooklyn, Fischer é o pequeno judeu diletante, e quando está na Califórnia é o bon vivant pegador de mulheres - independente do lugar, ele é sempre dois americanos em um, o que leva as coisas na insistência ou na lábia.

Mas, também assim como no Hughes de DiCaprio, há com o Fischer de Maguire uma estranheza no paraíso, um abalo na fotogenia. Seus olhos paralisados num transe hipnótico transmitem uma calma mas também uma perturbação, e basicamente o diretor Ed Zwick (conhecido por filmes grandiloquentes como O Último Samurai Diamante de Sangue) aposta todo este O Dono do Jogo na capacidade de Maguire conduzir a história com o olhar. Porque Fischer, como Hughes, nunca deixa de ser um enigma - e não há frase de efeito ou monólogo triunfante final que consiga decifrar a esfinge.

Por um lado, é muito fácil fazer um filme como O Dono do Jogo, porque ter à mão um personagem como Fischer, que reage a tudo de forma epidérmica (sua hipersensibilidade a barulhos, sua paranoia, seus lampejos de fúria), meio que autoriza os realizadores a ficar nessa superfície, como se ela bastasse - afinal, nunca entenderemos gênios como Bobby Fischer, e esforços nesse sentido certamente seriam em vão. Como o próprio xadrez é essa coisa esotérica, inacessível para as pessoas "normais", Zwick termina se mostrando à vontade nessa escolha de filmar o impacto de mistérios insondáveis.

Mas sempre esperamos, por outro lado, que o cinema nos abra os olhos diante de mistérios assim, e os ilumine. No caso de O Aviador, Martin Scorsese conseguiu ir além do filme-do-gênio-insondável e construiu uma história não apenas sobre Howard Hughes mas sobre a construção da identidade americana por meio de Hollywood e do capitalismo. O que O Dono do Jogo tem a oferecer além de bons momentos de suspense, do triunfalismo feliz e da atuação de tiques charmosos de Tobey Maguire?

Nota do Crítico
Bom