É sintomático que Sofia Coppola descreva em entrevistas a versão original de O Estranho que Nós Amamos como um filme B estrelado por Clint Eastwood. O fato de os longas de Eastwood dirigidos por Don Siegel entre os anos 1960 e 1970 serem realmente suspenses B (em espírito, em permissividade) se transforma hoje, e na fala da cineasta isso sai como um julgamento de valor: o The Beguiled de Coppola competiu e se premiou em Cannes, traz no elenco três gerações de requisitadas atrizes americanas, trata seus temas com as sutilezas da "sensibilidade feminina". Na comparação, é muito mais um filme hollywoodiano tipo A do que o longa de 1971.
Em linhas gerais, os dois filmes baseados no romance de Thomas Cullinan são muito similares. Transcorre a Guerra Civil Americana e um internato de garotas na Virginia é forçado a hospedar um cabo do exército ianque (papel de Colin Farrell no remake) depois que ele se machuca em batalha. Conviver com o inimigo é um choque inicial que as mulheres sulistas logo superam; tanto as alunas quando a jovem professora (Kirsten Dunst) e mesmo a dona do internato (Nicole Kidman) se afeiçoam pelo charmoso homem, o que gera conflitos que não dizem respeito apenas à disputa política entre a União e os rebeldes Confederados.
A principal mudança que Coppola faz em seu roteiro é suavizar a história passada da personagem de Kidman: de senhora incestuosa de fazenda, canalizadora de compulsões, ela se torna uma viúva moralmente defensável. O filme de Siegel, ao combinar os pecados do militar com o do outro homem que habitava a casa, deixava um claro manifesto desiludido sobre o país e a guerra - ianques e confederados unidos em suas perversões. Ao tomar um caminho menos retórico, mais vinculado ao ponto de vista das personagens femininas, Coppola opta por uma área cinza mais sutil, sem deixar de fazer um filme sobre a perda da inocência - como, ademais, era o filme de Siegel e como são os dramas da cineasta de Virgens Suicidas.
Não há outras mudanças drásticas, e o que se destaca na versão de Coppola é a escolha por uma série de pequenos ajustes "de respeito" que tornam seu filme menos idiossincrático. Isso está na forma como tudo é encenado sem movimentos bruscos, sem cores carregadas, e também na eliminação de pontos nervosos que correriam em paralelo (o remake não tem a escravidão em cena, por exemplo). Se Siegel fez um filme carregado de pontos de vista conflitantes, enviesados, com manifestações visuais de fluxos de consciência para não deixar dúvidas de que a ideia do filme era justamente o choque de olhares, Coppola opta por diluir conflitos e não enquadrá-los, e assim abrir tudo a interpretações externas.
O resultado pode parecer insatisfatório, na comparação, porque ao escolher o naturalismo este O Estranho que Nós Amamos se aproxima mais dos terrores recentes americanos, do chamado "post-horror", que se marcam por guardar potenciais secretos que não necessariamente se consumam. A cena da amputação, por exemplo, horror máximo, é recriada aqui (como todo o resto) de um jeito funcional, justificável, enquanto Siegel encenava praticamente um ritual de magia negra. O The Beguiled original se enriquecia por esses personalismos. Já Coppola sempre foi a cineasta do implícito, da narrativa lacunar evocativa, e ao fazer um filme de terror mais atmosférico que incisivo ela parece se segurar, num momento em que todos esperavam dela (pelo selo Cannes, pelo quilate do elenco, especialmente pelo gênero a que se filia) que se diferenciasse.