Aos 20 anos, a atriz Amandla Stenberg, conhecida como a Rue de Jogos Vorazes, dá ao drama O Ódio que Você Semeia a gravidade e a presença de cena que o seu papel exige. Stenberg brilha num filme que, ademais, se impõe mais pela importância dos seus temas em 2018 do que necessariamente pela qualidade da narrativa.
Na trama, a adolescente Starr Carter (Stenberg) presencia o assassinato de seu melhor amigo por um policial, durante uma blitz de rua. Embora viva na vizinhança pobre de Garden Heights, Starr estuda no rico colégio particular Williamson, onde aprendeu a se comportar de modo introspectivo para não se destacar como a garota negra entre os jovens brancos. Quando Starr se vê, então, impelida a testemunhar sobre o crime, ela é colocada debaixo do holofote que sempre esquivou.
O Ódio que Você Semeia se inspira no livro homônimo da escritora Angie Thomas, bestseller nos EUA no ano passado. O caráter autobiográfico do livro e o acirramento das tensões raciais no país são dois elementos que empurram o diretor George Tillman Jr. a fazer uma adaptação solene - em que a gravidade por vezes se dá mais pela mão pesada da direção do que exatamente pela força das atuações. Tillman fez sua carreira com filmes preocupados em elevar a cultura negra americana (Soul Food, Homens de Honra) e em O Ódio que Você Semeia isso se repete com viés cerimonioso.
A solenidade é antes de tudo uma marca visual; o filme começa e termina em planos de traveling com a câmera entrando ou saindo da casa de Starr pela janela, num movimento à John Ford que visa engrandecer o núcleo familiar, à distância. No café da manhã que abre o filme, Starr, seus pais e irmãos parecem reunidos num comercial de margarina, daqueles banhados de luz dourada matinal. A ideia é "proteger" os Carters da maldade do mundo, e nesse movimento Tillman acaba mais isolando seus protagonistas numa bolha alienante (potenciais conflitos internos nunca são interesse do filme, nem quando choques de pai e filha seriam normais e esperados, a exemplo da cena em que Starr apresenta aos pais seu namorado) do que elevando-os.
A fotografia adere a um esquema de cores que remete a Traffic para diferenciar o colégio de classe alta (o filtro azulado deixa tudo frio e asséptico) da vizinhança periférica (que o filtro alaranjado faz parecer caseira, emocional), e a escolha é menos para organizar a narrativa (o que faria algum sentido num filme-mosaico cheio de subtramas como Traffic) do que para polarizar mais os dois extremos. Se poderia haver alguma particularidade nas vizinhanças de Atlanta onde o filme foi rodado (o livro e o longa se ambientam no gueto fictício de "Garden Heights") isso termina nivelado nas obviedades da fotografia.
Nesse esforço de tornar diferenças sociais mais óbvias, e ao mesmo tempo proteger o Bem que os Carters representam, Tillman vai erodindo as possibilidades de nuanças de sua narrativa. Aliás, O Ódio que Você Semeia tem tanto uma cara de conto de fadas descolado da realidade que, quando a câmera mostra o quarto de Starr decorado com objetos dos anos 90, fica a impressão de que o filme se passa mesmo naquela década - um registro de época nos anos 90 seria a justificativa para um filme tão embelezado com luzes e cores fabulares, memorialistas.
Essa escolha poderia tornar O Ódio que Você Semeia um interessante relato se Tillman de fato tomasse essas decisões para desconstruir tipos ou fazer um jogo autorreferente de cinema de gênero (a exemplo do que Spike Lee fez neste ano em Infiltrado na Klan a partir de regras e caricaturas do blaxploitation). O resultado, porém, não mostra ter essa percepção. Tudo em O Ódio que Você Semeia se organiza com o intuito primeiro da solenidade, para revestir personagens (e ideias) de pureza: a família que compreende, a esposa que perdoa, o pai que puxa a reza no fast food. Conservador nos costumes e liberal na mensagem, O Ódio que Você Semeia está menos disposto ao enfrentamento do que à blindagem.