Os prelúdios são uma obsessão hollywoodiana. É uma mistura de ganância - aproveitar o que já foi comprovado como lucrativo - e falta de imaginação - a necessidade de preencher oficialmente as lacunas deixadas por grandes histórias. Assim, a origem de Peter Pan criada pelo roteirista Jason Fuchs chega aos cinemas para narrar o “início da lenda”, como se os personagens criados por J. M. Barrie precisassem de legitimação.
Peter (Levi Miller) surge como um órfão de 12 anos na Londres da Segunda Guerra, sonhando com o retorno da sua mãe (Amanda Seyfried) enquanto sofre nas mãos de freiras cruéis. As religiosas, além de negar comida para as crianças, vendem os meninos para piratas voadores. É assim que Peter vai para Terra do Nunca, uma profunda mina explorada por bucaneiros e garotos perdidos, escravizados na busca pelo valioso Pixum, a forma cristalina do pó das fadas. Por seu caminho passam Barba Negra (Hugh Jackman), Hook (Garrett Hedlund), Smiegel (Adeel Akhtar) e a Princesa Tigrinho (Rooney Mara). Wendy e seus irmãos ainda não fazem parte da história.
Joe Wright usa essa origem de Peter Pan apenas como uma desculpa para criar um palco anacrônico, que transforma Nirvana e Ramones em hinos coletivos e tem como centro das atenções um pirata afetado, vestido de conquistador espanhol. Com uma estética steampunk cosmopolita, o cineasta construiu um mundo muito mais interessante do que o seu protagonista. O novato Levi Miller se esforça, mas o personagem escrito por Fuchs está preso em uma jornada do herói que não serve à criação de Barrie.
Dentro de uma estrutura emprestada de Uma Nova Esperança (com direito a um navio que chega para salvar o dia na última hora, como a Millennium Falcon de Han Solo), o Peter Pan do filme é o oposto do original, símbolo da autoconfiança infantil. Tratado como escolhido, como uma importante peça para a salvação da Terra do Nunca, ele se questiona o tempo todo, demonstrando uma fragilidade dispensável para um personagem celebrado pela arrogância, pela insolência de vencer o tempo e fugir das responsabilidades da vida adulta.
Wright, por outro lado, conduz com habilidade o seu universo grandiloquente. O ritmo é acelerado, as expressões caricatas, mas tudo é orquestrado com esmero, conquistando um ritmo de aventura e um estranhamento/encantamento raro no cinema feito para crianças. O 3D tem momentos primorosos, adicionando textura às cenas de voo e ao movimento dos piratas que atacam amarrados por elásticos de seus navios voadores.
Peter Pan é uma conquista visual presa por uma premissa desnecessária. A explicação sobre o menino que não cresce perde força dentro da expressão criativa que o cerca. Dispensado o rótulo de prelúdio, porém, é um filme que vale o ingresso por seu espetáculo pontuado por atuações cativantes, principalmente de Hugh Jackman, no auge da sua pompa teatral. Uma explosão technicolor bem-vinda em um cinema comercial cada vez mais monocromático.