Quem acusa Zack Snyder de “se levar a sério demais”, honestamente, não deve estar prestando atenção. Não só o cineasta jamais se posiciona ou fala na linguagem do autor pretensioso, como seus filmes em nenhum momento evocam mais do que o lugar pop de superfície que são construídos para ocupar. O que acontece, acho eu, é que - treinado por anos de blockbusters que buscam a aprovação do prestígio crítico porque entendem que ele também é fator de sucesso comercial - o público lê as referências de Snyder como uma espécie de prerrogativa para a forma como ele quer ou deve ser julgado.
É verdade que o homem por trás de 300 e Batman vs. Superman faz filmes “sombrios e violentos”, mas é também uma verdade diluída, inofensiva, sem insight. É como dizer que ele abusa de simbolismos religiosos, ou que lança mão da câmera lenta com frequência e entusiasmo desmedidos - tudo isso é facilmente observável em sua filmografia, mas por que está tudo ali, qual é a ambição discursiva dos longas que ele constrói dessa forma? No fundo, Snyder é um artista entrincheirado na linguagem do pop, fluente nos chavões de gênero, mas alegremente evasivo sobre as entrelinhas que eles levantam.
Aceitando-se isso, fica evidente que Rebel Moon: Parte 1 - A Menina do Fogo é a obra-prima do cinema de repetição do seu diretor - e também que, de certa maneira, é a consequência natural de um Snyder livre de mitologias pregressas ou materiais-base. Isso porque, embora tenha sido originalmente pensado como parte da saga Star Wars (os rastros disso certamente estão no filme, de armas análogas a sabres de luz até um personagem cópia-carbono de Han Solo - até a página 2), Rebel Moon deve tanto à franquia da Lucasfilm quanto a… bom, qualquer outro sci-fi épico do último meio século.
Nesse sentido, esqueça as adaptações de quadrinho do diretor - o filme anterior de Snyder do qual eu mais me lembrei enquanto assistia a Rebel Moon foi Sucker Punch: Mundo Surreal, não à toa o único outro “projeto passional” com história original que ele conseguiu levar à fruição durante seu tempo em Hollywood. Como o filme de 2011, este blockbuster da Netflix coopta significadores de estilo de todos os cantos, mas favorece especialmente aqueles que, de tão utilizados, já se desvincularam de uma obra específica e residem no éter do inconsciente coletivo do fã de sci-fi (provavelmente, até de quem só viu um ou dois filmes de sci-fi na vida).
Daí que vem, por exemplo, o robô Jimmy (voz de Anthony Hopkins), que mistura os androides socialmente oprimidos à la Star Wars com os autômatos sábios e - após libertos do jugo da humanidade - ferozes à la Eu, Robô. Narrador da história, ele ajuda a protagonista Kora (Sofia Boutella), uma refugiada marcada pela guerra interestelar que assola o universo de Rebel Moon, a salvar uma jovem dos apetites sexuais violentos dos soldados que invadiram seu planeta. A partir daí, Kora não tem escolha a não ser sair pelo espaço procurando combatentes rebeldes para ajudar na missão de expulsar as forças imperiais do seu lar, tudo enquanto o malévolo Almirante Noble (Ed Skrein) a persegue.
Laços familiares complicados se escondem no passado de cada um dos personagens, é claro, e o vilão da vez é pouco mais do que um fantoche macabro para o verdadeiro antagonista da trama, que só deve realmente causar problemas na segunda parte. A brincadeira de Snyder é manipular esses elementos familiares em função de um espetáculo de entretenimento que tem sabor de autorreferência (você e eu sabemos que ele está piscando para nós todas as vezes que uma acrobacia é filmada em câmera lenta) e galhofa (é impossível não rir quando a primeira tomada de um filme é a abertura de um portal interespacial no formato inconfundível de uma vagina), mas nenhum traço de cinismo.
Porque, no fim das contas, nada no filme é tão profundo assim. Snyder não está comentando sobre a superficialidade do blockbuster hollywoodiano, ou utilizando os seus excessos para criticar o consumismo estadunidense - ele não é Paul Verhoeven. Snyder tampouco está exorcizando demônios autorais e ansiedades políticas em praça pública enquanto os disfarça de entretenimento de massa - ele não é Christopher Nolan. Não, Snyder só quer fazer um filme bacana, uma sessão de porradaria entre figuras de ação que - como sempre acontece na mente megalomaníaca da criança brincando com elas - se reveste de falso significado para parecer mais épica.
Em Rebel Moon, quando Ed Skrein (deliciosamente caricato, aliás) solta um sorriso torto e diz que a surra que está levando de Sofia Boutella é “simplesmente perfeita”, ele não está realmente querendo dizer algo sobre a natureza cíclica da história que existe entre os dois e o seu mestre em comum. Não, gente: o cara só gosta de apanhar de mulher bonita. Dá para culpá-lo?