A despeito da irresistível fofura que exala de Sempre em Frente, o novo filme do diretor Mike Mills não deixa de ser bastante inflexível no seu recado político. O mundo está acabando e Mills pega emprestada a pureza da resposta das crianças para tratar da responsabilidade dos adultos em tudo que afeta a existência, inclusive nessa potencial extinção da raça humana.
Obviamente Sempre em Frente não é um Moonfall, e essa extinção só aparece no filme como sobressalto coletivo, nas gravações que o documentarista Johnny (Joaquin Phoenix) faz com adolescentes em algumas metrópoles dos Estados Unidos. A Geração Z está preocupada com o futuro, descobre Johnny entrevista após entrevista. Não é o caso, porém, de Jesse (Woody Norman), o sobrinho de oito anos de Johnny, cuja preocupação é ver seus pais juntos novamente. O filme se passa ao longo das semanas em que Johnny precisa cuidar de Jesse enquanto a mãe do menino acompanha o marido num hospital psiquiátrico e tenta salvar seu próprio casamento.
Os adultos do filme estão bem atarantados, enfim, e Sempre em Frente aproveita pontuais lavagens de roupa suja entre Johnny e sua irmã para construir um crescendo dramático envolvendo afetos mal resolvidos do passado. Na maior parte do tempo, porém, o filme é feito de colagens de cenas urbanas episódicas. Assume rapidamente um espírito aspirante a um caos cassavetiano e coloca Joaquin Phoenix para correr, tentando acompanhar o passo de um Woody Norman possuído. Não é o primeiro filme da carreira do garoto, mas ele surge com tamanha presença de cena que fica a impressão de Norman ter sido recém-descoberto, com uma energia bruta ainda não lapidada.
A fofura de Sempre em Frente vem dessa troca entre o tio e o sobrinho, emoldurada pela fotografia em preto e branco - uma escolha estética que sem dúvida ressalta o caráter lúdico e despojado dessas cenas - e pela agradável trilha sonora de Aaron e Bryce Dessner. A questão é que Mike Mills se apoia nessa coisa lúdica e despojada de forma utilitária, porque lhe convém, e porque com ela a agenda pedagógica do filme então soa menos imposta. Em Sempre em Frente, a experiência e a memória parecem existir antes como forças reativas (no caso, para oferecer lições, e com elas impedir o mal no futuro) do que como forças criativas, de descoberta.
É muito emblemático que o personagem de Johnny trabalhe com captação de áudio, uma profissão que fascina o sobrinho desde o início, porque isso passa a ser no filme o lastro pedagógico que sempre nos lembrará do utilitarismo da experiência. O que está sendo vivido está também sendo gravado - e para não estragar o final do filme basta apenas dizer aqui que os personagens inevitavelmente encontrarão nessa memória documentada um tipo de validação de toda a sua experiência a dois.
Talvez Mike Mills esteja fazendo com isso uma bonita defesa da História, da importância da documentação, aprender com os erros do passado etc., mas dentro do registro de Sempre em Frente essa reiteração parece tirar a força espontânea dos momentos. Seria absolutamente legítimo que as semanas entre tio e sobrinho se tornassem apenas imagens vagas na memória, porque afinal é assim que funcionam tanto a memória quanto os nossos afetos, na reconstrução pessoal desses cacos perdidos. Em Sempre em Frente essa opção não é apresentada, porque o que tem prioridade não é tanto os dias entre Johnny e Jesse mas sim os efeitos dessa vivência.
É possível dizer então que Mike Mills faz aqui um filme político que beira o proselitismo. Desde as suas escolhas de locação - começando em Detroit, epicentro falido do velho sonho americano, e terminando em Nova Orleans, emblema dos esforços de reparação pós-Katrina - o discurso se impõe. Colocar os jovens da Geração Z para falar do fim da humanidade, com a sua urgência de pensar o futuro, é o que legitima a pedagogia dura do filme. Essa dureza não vem exatamente de um conflito dramático entre o tio e o sobrinho, mas antes das situações em que eles são colocados e da exigência de tirar dessas situações uma lição duradoura.
No fim, o valor das experiências que o tio e o sobrinho vivem juntos está tanto no presente, nos sustos e nas alegrias que eles compartilham - e que no filme sempre são encenadas de um jeito vivo e urgente, graças à ótima química entre Phoenix e Norman -, quanto numa preparação para o futuro dos adultos e das crianças do século XXI. Esse caráter pedagógico acompanha o filme até o fim, e Sempre em Frente soa mais clínico e distante quando deixa isso tirar a graça dos seus instantes presentes.