Que a pandemia da covid-19 foi devastadora para o setor musical não é novidade. O efeito econômico do cancelamento de eventos ao vivo foi documentado pela imprensa, e a separação prolongada de artistas e público foi igualmente lamentada nas redes sociais. É curioso, portanto, que Seventeen Power of Love: The Movie chegue aos cinemas como registro desse momento justamente enquanto o mundo da música vai aos poucos recuperando o ritmo de antes da crise sanitária (de maneira responsável ou não, é outra história).
Curioso também porque, de certa forma, a indústria do k-pop foi unicamente afetada por essas circunstâncias. É justo dizer que todo artista depende muito da construção de uma cumplicidade com seus fãs para atingir o sucesso, mas isso é ainda mais verdadeiro dentro do mundo da música pop sul-coreana, em que a linguagem parassocial flui de forma mais intensa para os dois lados dessa relação. Em muitos sentidos, o encontro entre artista e fã na hora da performance ao vivo acaba se tornando o clímax da história que eles se esforçam para contar por toda uma carreira.
O que você faz, portanto, quando a possibilidade desse clímax é retirada? A resposta, em parte, é a própria existência de Seventeen Power of Love: The Movie. Essencialmente, o filme é o registro de uma performance realizada originalmente para a Internet, intercalado com entrevistas dos artistas que - além de recapitular partes da trajetória do grupo - reforçam e repetem, o tempo todo, a gratidão e o amor que eles sentem pelos fãs. Às vezes, isso é expressado em linguagem melodramática (“vocês são a razão da minha vida”, e por aí vai), mas o melodrama é parte do charme para quem está enredado nessa troca.
Power of Love também resgata, perto do final, imagens dos últimos shows presenciais do Seventeen, e é fácil entender nelas a energia da qual artistas e fãs sentem falta. O espetáculo ao vivo de k-pop é puro populismo, terreno fértil para a sentimentalidade desavergonhada, e isso é eletrizante de se observar através de uma tela de cinema. Sobram olhares e sorrisos capturados habilmente pelo diretor Oh Yoon-dong (especialista nesse filão, ele já assinou também Monsta X: The Dreaming e BLACKPINK: O Filme), e transbordam trechos de discursos e brincadeiras entre fãs e artistas que reforçam um laço que, mesmo fora do contexto crítico do parassocial, é inegavelmente forte.
Como resultado, as performances principais do filme, realizadas sem o público, inevitavelmente parecem carentes de um elemento essencial que faz essa alquimia funcionar. O que resta, sem isso, são as coreografias meticulosamente ensaiadas, os excelentes vocais, e a energia inegável que esses artistas trazem a cada performance - o que não é pouco, não me levem a mal! É absurdamente prazeroso notar a atenção ao detalhe colocada em cada canção, e as pequenas decisões de tom que fazem a diferença (o bom humor em “Snap Shoot”, que começa com um número de coral à la Mudança de Hábito, é um ponto alto do filme). Boa parte do Ocidente se esqueceu de como fazer um espetáculo pop, mas a Coreia do Sul não.
Por causa do puro suor que os membros do Seventeen e a equipe de bastidores aplicam ao show, Power of Love é uma experiência artística poderosa tanto para fãs dedicados quanto para os curiosos de plantão. O olho crítico mais arguto talvez note uma divisão de tempo duvidosa, que nos priva de algumas boas performances (“GAM3 BO1” e “Spider”, esta última um solo de Hoshi, vêm a mente) para incluir conteúdo falado repetitivo ou extensos glamour shots dos artistas que entregam o quanto o k-pop contemporâneo é entregue ao female gaze. Já o olho do fã vai notar que, além do público, sente-se nas performances principais a ausência de dois integrantes do grupo, The8 e Jun, impossibilitados de comparecer ao show por restrições de viagem da China para a Coreia.
O que nos traz de volta à pandemia, é claro. Power of Love: The Movie é a carta de amor aos fãs que é por causa dela, e sua viagem ao redor do mundo para atingir os Carats (apelido carinhoso dado aos admiradores do Seventeen) de vários países é um remédio imperfeito para uma forma de arte que foi privada pelas circunstâncias de ser a versão mais completa de si mesma. Também como documento dessa era, o filme pode se provar valioso no futuro.