Sting: Aranha Assassina é o melhor filme de Alien que tivemos em 2024 - e, olha só, nem precisou usar IA pra isso! Brincadeiras à parte, o filme do australiano Kiah Roache-Turner (Wyrmwood) deve muito à franquia do simbionte em estrutura narrativa e abordagem de gênero: como no Alien original, de 1979, ele nos apresenta um grupo limitado de personagens que serão caçados por um monstrengo realizado em animatrônicos e efeitos práticos em geral; como em Aliens - O Resgate, a unidade familiar central da trama se vê confrontando o tal monstro no clímax do filme em um subsolo escuro e repleto de equipamentos mecânicos; e, como em todos os longas de Alien, Sting não é sobre nada disso, no fim das contas.
A franquia criada por Ridley Scott, é claro, não inventou a roda - embora tenha definido tanto dela que fica difícil desvinculá-la de seus procedimentos. O filme de criatura (em bom inglês, creature feature) é figurinha carimbada em Hollywood desde os primórdios da indústria: o primeiro King Kong é de 1933, O Monstro da Lagoa Negra saiu em 1954, e até as aranhas gigantes tem um longo histórico na tela grande, do qual o primeiro “clássico” talvez seja Tarântula, de 1955. E é notável que, desde essa concepção, o subgênero tem se mostrado acima de tudo uma maneira curiosamente certeira de fazer filmes sobre os modos de vida da humanidade, os vícios e virtudes que o definem, e como ele se transforma.
O maior triunfo de Sting, olha só, é justamente minar esse potencial de subtexto. Também autor do roteiro, Roache-Turner transforma essa história sobre uma aranha alienígena que aterroriza um prédio em Nova York em um retrato afiadíssimo das vicissitudes da vida em apartamentos, da comunidade que ela cria em sua aproximação geográfica e do distanciamento que ela impõe em sua lógica hierárquica capitalista. Por outro lado, apesar do cinismo dessa angulação narrativa, Sting também obedece ao manual do creature feature na hora de se posicionar como uma história de recuperação de humanidade em circunstâncias extremas, de forja e confirmação de laços humanos diante de uma ameaça inumana.
Desse equilíbrio de acidez e sentimentalismo nasce um filme de surpreendentes insights, uma exploração das grandes e frias estruturas (físicas e sociais) nas quais nos metemos diante da impossibilidade de sobreviver fora delas, e das pequenas e calorosas delicadezas que fazem a diferença na hora de preservar algo de digno dentro delas. Sobreviver para quê, e pelo quê, afinal? Há quem vá dizer que um filme de aranha gigante de baixo orçamento não tem direito nenhum de fazer essas perguntas, mas Sting também parece entender que parte da tradição do gênero em que está metido é ajudar a refletir o mundo real em espelho de fantasia.
Ainda melhor quando o filme faz esse trabalho de reflexão sem se esquecer de divertir e assustar, exatamente como Sting. Na comédia, o roteiro de Roache-Turner acerta principalmente ao pintar os personagens coadjuvantes da trama com pinceladas largas, que beiram o caricatural sem perder algo de identificável e específico em seu retrato urbano - e o elenco se diverte à beça nesse território, com destaque para as ótimas Noni Hazlehurst e Robyn Nevin interpretando irmãs idosas que não poderiam ser mais diferentes entre si. No terror, a fotografia de Brad Shield (Terror na Estrada) encontra maneiras deliciosamente inventivas de revelar e esconder o seu monstro, criando tensão sem estourar o orçamento modesto da produção.
Dizem que a necessidade é a mãe da invenção, mas a máxima parece cada vez menos aplicável diante de uma miríade de filmes de horror baratos que pouco inventam para escapar de suas limitações monetárias. Sting, ainda bem, é a exceção à regra - o que não falta aqui é energia criativa, encarnada na mais antiga de suas formas: a vontade de contar uma boa história, da melhor maneira que você puder.