Há algo de distintamente familiar, mas também algo de distintamente novo, em Tem Alguém na sua Casa. O filme da Netflix começa com uma sequência que desfila aptidão estética e tensão, apresentando de cara as credenciais do diretor Patrick Brice, conhecido dos fãs de terror indie pelo trabalho na franquia Creep. É um momento reminiscente das aberturas de Pânico ou Halloween, que prende tanto por brincadeiras conceituais quanto pelo puro suspense logístico de uma perseguição doméstica.
Esses flashbacks são constantes durante a pouco mais de 1h30 de Tem Alguém na sua Casa, mas eles sempre vêm infundidos de algo contemporâneo. A elaboração do ambiente escolar onde se passa a trama, por exemplo, usa estereótipos e dinâmicas tão antigos quanto a própria ficção adolescente - a presidente do conselho escolar “perfeitinha”, mas irritante; o grupo de excluídos que encontra apoio uns nos outros, etc -, mas trabalha com eles diálogos, constrangimentos e relações sociais bastante atuais.
De fato, o roteiro de Henry Gayden (Shazam!), baseado no livro de Stephanie Perkins, está muito sintonizado com as discussões da geração que quer retratar. Na trama, um assassino misterioso começa a matar jovens de uma cidadezinha do Nebraska, revelando logo antes dos crimes os maiores segredos das vítimas - e quase todos são ofensas “canceláveis”, em todo o leque impossivelmente amplo que isso implica, de preconceitos escondidos a agressões e vícios.
Tem Alguém na sua Casa, acima de qualquer coisa, entende as relações de poder envolvidas nessa dinâmica, e dá crédito o bastante aos seus protagonistas para confiar que eles entendam também. Por volta da metade da metragem do filme - e o ponto de virada é dolorosamente óbvio -, o filme abandona o tom debochado e referencial que marca muitos slashers contemporâneos para tentar construir uma história genuína sobre redenção, e sobre como a mentalidade e as atitudes do ofensor têm muito mais a ver com isso do que o perdão de terceiros.
O elenco jovem do filme, por sua vez, se agarra à oportunidade de interpretar personagens tão sólidos em meio a um terror mainstream. A protagonista Sydney Park, toda introspecção e elegância cênica, é quem equilibra dramaticamente o carisma mais elétrico de colegas como Asjha Cooper, Diego Josef e Dale Whibley (este último especialmente empenhado em devorar cenários). Este é um grupo de personagens que parece real o bastante para causar empatia, mas tem traços exagerados o suficiente para ser divertido de assistir.
Tem Alguém na sua Casa funciona melhor se encarado pelo que é: uma história hábil, ainda que não brilhante, sobre aparências enganosas, a dificuldade humana de ver além do próprio umbigo e (por isso mesmo) o ato colossalmente heróico de enxergar de verdade o outro. É um filme que sabe o que você espera quando aperta o play, e que não abre mão de satisfazer suas expectativas, mas faz também o que poucas produções de Hollywood ousam fazer hoje em dia: tenta te dar mais.