The Front Runner/Divulgação

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Crítica

The Front Runner

Jason Reitman faz ensaio sobre política e a natureza humana na cinebiografia do ex-candidato à presidência dos EUA Gary Hart

14.09.2018, às 23H07.
Atualizada em 10.01.2019, ÀS 21H55

Um dos maiores erros do homem enquanto espécie é negar a própria natureza. Para manter a ordem, cria-se um código de conduta, negam-se os desejos. É a lei seca que não impede que álcool seja consumido, a proibição às drogas que não limita a alta demanda, o casamento que não impede o adultério. Reconhecer a tentação não significa aceitá-la (ou cometê-la), mas ajuda a entender que não existe ninguém acima de qualquer suspeita.

Gary Hart, senador democrata que era o candidato favorito para as eleições de 1988 nos EUA, foi vítima e réu da natureza humana. Em três semanas, ele viu o sonho de se tornar presidente morrer depois que um dos seus muitos casos extraconjugais foi descoberto pela imprensa. Em The Front Runner, Jason Reitman testemunha essa história, deixando para o público o papel de avaliar os acontecimentos.

Hart (Hugh Jackman) é o protagonista, mas nunca está no centro da narrativa. Suas ações são acompanhadas sempre pelo ponto de vista dos outros personagens. Nesse sentido, a direção de fotografia de Eric Steelberg descentraliza a ação, que preenche todos os planos no enquadramento: pessoas conversam, ligações são feitas e ao fundo algo importante acontece. A cena de abertura já estabelece o tom: um plano sequência leva a câmera de um lugar para o outro sem revelar o foco de atenção - de uma van de transmissão televisiva passa por repórteres, uma multidão, dois funcionários de campanha política, volta para a multidão, mais câmeras de TV, até chegar na janela do prédio em frente, onde um homem observa toda essa confusão. Quando ele entra no quarto, Gary Hart é apresentado.

Nessa abundância de perspectivas, a imprensa tem papel fundamental. O escândalo, afinal, foi iniciado por um grupo de repórteres em busca de um furo. Contudo, Reitman, que assina o roteiro com Matt Bai e Jay Carson, não busca um culpado, apenas promove espaço para análise.

A fama de mulherengo perseguia Hart, que evitava tocar no assunto sob a justificativa de que isso não tinha qualquer relação com seus deveres políticos. Em parte ele tinha razão. Um bom governante não precisa ser um bom marido, assim como a qualidade da obra de um artista não leva em conta a sua reputação. Entretanto, a sua recusa em falar do assunto despertou a curiosidade da imprensa. Como aponta uma jornalista do Washington Post no filme, um homem na posição de Hart pode facilmente se valer do poder, seja para satisfazer desejos carnais ou financeiros. Nesse contexto, a sua vida pessoal passa a ser da conta de todos.

A grande questão são as interpretações dos fatos e a facilidade que o ser humano tem para condenar enquanto esquece as próprias falhas. The Front Runner confronta essa lógica dando voz a Donna Rice (Sara Paxton), pivô do escândalo do presidenciável. Por anos ela foi tratada pela imprensa como mera destruidora de lares. Para desconstruir essa imagem, Reitman a mantém nas sombras até a revelação pública do caso. A sua interlocutora passa a ser Irene Kelly (Molly Ephraim), funcionária de campanha de Hart, dando espaço para que duas mulheres conversem em um mundo masculino.

Com um elenco vasto e competente, e destaque para as atuações de Jackman e Vera Farmiga (que interpreta a esposa de Hart), The Front Runner é um estudo de personagem e da sociedade em que ele vive. Em diálogos bem construídos, longe da falácia política, o filme é uma discussão imparcial, variada e aberta a questionamentos. Um ensaio contra a hipocrisia geral que mantém o mundo "civilizado", ontem, hoje e sempre.

Nota do Crítico
Ótimo