O que parece ser mais um drama com a temática de divórcio se transforma em uma grande chuva de sangue em The Trip. O thriller cômico norueguês da Netflix começa meio insosso, entregando clichês de um casal que está passando por turbulências no casamento, à beira da separação, até decidir embarcar em uma viagem para um chalé afastado com a perspectiva de passar um tempo juntos e, quem sabe, se reconectar. O que ninguém esperava era o toque de brutalidade que o diretor Tommy Wirkola, conhecido por João e Maria: Caçadores de Bruxas, adicionaria ao longa.
O casal protagonista, Lisa e Lars, interpretados por Noomi Rapace e Aksel Hennie, propõe muito na atuação e na química, com conflitos de egos e rancor, lavação de roupa suja e outras questões que envolvem o casamento moderno. A primeira reviravolta vem quando o filme revela que a real motivação para ambos estarem isolados na cabana é assassinar um ao outro.
Um trio de penitenciários foragidos cruza o caminho da dupla e se soma ao chalé, elevando a violência e o nonsense a níveis um pouco mais questionáveis. A partir daqui já vale um aviso: este filme definitivamente não é para os mais sensíveis. Do meio para o final, The Trip se torna muito gráfico, em vários sentidos - desde as fontes usadas nos flashbacks até os confrontos. Tudo é muito visceral, com uma pitada falha de humor. A frase “seria cômico se não fosse trágico” nunca fez tanto sentido quanto neste roteiro co-escrito por NickBall e John Niven.
O casal que - não só sentimentalmente - tentava ferir um ao outro agora deve lutar por suas vidas, juntos (ou não), em meio a sessões de torturas. O trio de bandidos traz um leve alívio cômico, um resquício de risada com piadas preguiçosas, alterando o cenário para um quase Esqueceram de Mim para adultos, enterrando cada vez mais o problema inicial, o imbróglio mortal do casamento.
Qualquer semelhança não é mera coincidência em The Trip. As letras amarelas nas transições de cenas, a protagonista loira em conflito amoroso e a violência caricatural lembram a assinatura de Kill Bill de Quentin Tarantino. Não por acaso, em 2007, Wirkola realizou Kill Buljo – O Filme, uma paródia norueguesa da saga da Noiva de 2003-2004.
Apesar do enredo bizarro, as atuações dos protagonistas são competentes e te prendem até certo ponto - dor e desespero não são emoções fáceis de emular, ainda mais em uma trama como esta. Embora o nome de maior peso fosse o de Rapace, é seu parceiro de cena, Aksel Hennie, quem impressiona ao fazer tudo o que pode com o que o roteiro oferece. A fotografia não é o ponto alto do filme, mas também não deixa a desejar, principalmente no início, onde temos um bom panorama das paisagens nórdicas por onde o filme se desenvolve.
The Trip tinha recursos para ser melhor do que é; regado de muito sangue e cenas de violência com motivações bem pífias para estarem ali (aliás, “justificar” não é um verbo muito presente neste roteiro), essa tentativa de Violência Gratuita, de Michael Haneke, não engaja o telespectador por 1h53min. A premissa inicial do casal se odiar a ponto de querer matar um ao outro parece interessante e engraçada, mas o desequilíbrio dos elementos afastam a audiência do que poderia ser uma história irreverente e refrescante. No fim das contas, essa viagem não nos leva a lugar nenhum.