Lá no começo dos anos 2010, um tipo de filme independente muito específico passou a conquistar as mentes e corações de cinéfilos pelo mundo. Títulos como Coerência (2012), Resolution (2012) e Complicações do Amor (2014) faziam um cinema de gênero que - um pouco inspirado pelos draminhas mumblecore da mesma época, e um pouco mirando o “horror elevado” da A24, que ganharia notoriedade nos anos seguintes - colocava grandes ideias em um frasco pequeno, aspirações cósmicas em um cenário terreno, considerações humanísticas em uma embalagem doméstica. Funcionava quando o impulso criativo era forte o bastante, e quando o espírito de guerrilha convencia o bastante para fazer o espectador se desprender da sua fome natural por uma narrativa mais densa, com mais profundidade.
Tipos de Gentileza me lembrou muito desse cinema. Realizado por Yorgos Lanthimos ainda enquanto finalizava a pós-produção do seu antecessor, Pobres Criaturas, o longa tem muito do paradoxo de pretensão desses filmes da década passada, sempre aspirando a um discurso elevado, mas sem os meios para chegar nele. Acontece que, ao contrário desses filmes, Tipos de Gentileza é uma produção de estúdio, assinada por um diretor e estrelada por uma atriz vencedores do Oscar, que se estende por quase três horas de duração e acabou de ter sua estreia em competição pela Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024.
Não é, portanto, um filme “de guerrilha” em nenhum sentido. A sua escala é pequena porque quer ser pequena - e Lanthimos se segura atrás das câmeras, recuando da direção técnica barroca que aplicou ao seu filme anterior, porque quer se segurar. É difícil até reconhecer o trabalho do diretor de fotografia Robbie Ryan aqui, desnudado de suas lentes olho-de-peixe e manipulações de cor. Em Tipos de Gentileza, Ryan se concentra em tentar fazer o pequeno parecer maior, expressivamente falando, seja na forma como recorta os corpos em tela (Jesse Plemons, sempre metido em roupas um pouco justas ou largas demais, é o sujeito preferido da câmera) ou como se afasta dos atores para fazer as quatro paredes em que eles estão metidos parecerem mais generosas em seu espaço.
Mas Ryan está lutando um jogo perdido, de certa forma, porque Tipos de Gentileza é definido não por sua falta de recursos, um obstáculo que sempre pode ser superado por um cineasta cheio de recursos como Lanthimos, mas sim pela falta de ambição. Talvez buscando um antídoto para a megalomania retórica e visual de seu filme anterior, aqui o cineasta grego se refugia em uma tese simples, expressada de forma simples, em três histórias de premissas simples, conectadas de maneira simples. Tipos de Gentileza pergunta, essencialmente, o que acontece quando descobrimos que o que julgamos como “normal” é corrompido, e se essa descoberta pode fazer formas alternativas de viver parecerem menos hostis. O que funcionar para você, funcionou, certo?
Dentro dessa simplicidade, o filme encontra alguns pontos de ignição, especialmente em seus atores - ainda que nem na escalação Lanthimos saia da sua zona de conforto. Ele coloca Willem Dafoe para interpretar Willem Dafoe, em três personagens que são definidos por gestos ameaçadores disfarçados de sorrisos e dureza emocional; e coloca Jesse Plemons para interpretar Jesse Plemons, em três personagens que funcionam na chave internalizada e posicional na qual o ator sabe trabalhar. Por sorte, Lanthimos vê Emma Stone como uma atriz-dínamo de potenciais infinitos, e ela se aproveita disso para marcar uma diferenciação clara entre as três histórias, modulando vozes, movimentos, caracterizações visuais e tonais para dar alguma cor real ao filme.
O esforço é valioso, e esta talvez seja a performance (ou seriam as performances?) que melhor justifica o fenômeno Emma Stone nas premiações e na crítica especializada. Mas é pouco para fazer de Tipos de Gentileza mais do que ele é: um improviso. Um improviso com cara, cheiro e gosto de improviso, que - pelo posicionamento mercadológico das pessoas envolvidas nele - está tentando se passar por muito mais do que isso.