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Uma Noite de Crime | Crítica

Mistura de ficção científica e terror não sabe aproveitar boa premissa

31.10.2013, às 19H28.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

A vantagem de produzir filmes de baixo orçamento a toque de caixa como os do produtor Jason Blum (Atividade ParanormalSobrenatural) é que dá pra reagir à realidade de imediato. O suspense Uma Noite de Crime (The Purge) está diretamente ligado à agenda social do governo Obama, e à reação pública que ela tem gerado nos EUA.

the purge

the purge

A trama se passa em 2022, quando os Estados Unidos foram "refundados" depois que a pobreza e a violência saíram do controle. Agora, anualmente, acontece a purgação do título: 12 horas em que qualquer cidadão do país pode cometer crimes sem ser punido. A medida que cria essa válvula de escape diminui dramaticamente a violência no resto do ano, e ajuda na recuperação econômica: os ricos usam o dia do expurga para chacinar as minorias (pobres, inválidos) que atrasavam o avanço do país.

Ninguém na produção do filme levou em consideração que nenhuma economia cresce sem explorar mão de obra barata (os ricaços que trabalham como faxineiros devem aparecer só na continuação...). O essencial para Blum e o roteirista e diretor James DeMonaco é responder à reação popular conservadora que condenou, por princípio, a disposição de Obama de desenvolver um sistema público de saúde para atender os necessitados.

Embora a maioria das histórias de futuro distópico adote esse mesmo viés humanista - a busca pela nossa solidariedade perdida no meio da superpopulação, do totalitarismo ou da robotização - não deixa de ser curioso ver Hollywood flertando com um tema impopular como esse do assistencialismo. No papel, então, apesar do buraco na lógica socioeconômica, Uma Noite de Crime é uma interessante mistura de ficção científica e terror com discurso político.

O problema é... todo o resto. Porque Blum parece à vontade para tocar os projetos que bem entende, mas aqui se vê refém dos clichês de terror que ajudou a popularizar. Não se faz cinema de gênero sem clichê, mas eles precisam ter algum sentido; em Uma Noite de Crime, as máscaras dos maníacos são um desses chavões injustificados. Quem usa máscara quando pode cometer crimes à vontade?

Do seu lado, DeMonaco basicamente refaz o seu Assalto à 13ª DP com Ethan Hawke, mas com o protagonista e seus familiares irritantemente menos preparados para uma situação de cerco armado (nem parece que o evento mais violento do mundo acontece anualmente ali) e com muito mais didatismo, em nome do discurso sem arestas e do entendimento imediato do público (o fato de futuros distópicos atraírem diálogos ultraexplicativos não é desculpa).

Existe um princípio de dramaturgia conhecido como a "arma de Tchekov": o escritor russo Anton Tchekov defende que todo elemento apresentado em uma narrativa tenha uma função, então se uma arma é mostrada ou citada em algum momento de uma história, ela deve obrigatoriamente ser disparada. O que acontece em Uma Noite de Crime é que os clichês se enfileiram como armas de Tchekov: o filme gasta seus primeiros 15 ou 20 minutos numa exposição absolutamente funcional, banalizante, e depois só resta ao espectador presenciar os desdobramentos (de trama, de subtexto) que ele já podia antever desde o começo.

E isso é a morte de Uma Noite de Crime, porque um filme cuja premissa trata de imprevisibilidade (qualquer crime possível significaria qualquer resultado possível) termina sendo terrivelmente manjado.

Uma Noite de Crime | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Regular