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Crítica

Z - A Cidade Perdida | Crítica

Em seu filme mais ambicioso, James Gray não perde de vista a dimensão das pequenas tragédias

31.05.2017, às 12H07.
Atualizada em 17.05.2019, ÀS 18H50

Não há nenhum filme de James Gray (Os Donos da Noite) que não aspire ao trágico e ao operístico, mesmo os mais contidos, como Amantes (2008). Não seria diferente na adaptação ao cinema de Z - A Cidade Perdida, seu filme de escopo mais amplo e uma franca tentativa de emular a jornada épica de "febre na selva" de clássicos da Nova Hollywood, como O Comboio do Medo (1977), O Franco Atirador (1978) e Apocalipse Now (1979).

Gray pega o ótimo livro de não-ficção de David Grann e preserva os aspectos históricos: o militar Percy Fawcett (Charlie Hunnam no filme) é escolhido para cartografar os limites inexplorados da Amazônia entre Bolívia e Brasil, e fica obcecado com os mistérios locais, em particular com uma mítica civilização perdida que teria prosperado no passado, no coração da floresta. Nos anos que antecederam e sucederam a Primeira Guerra Mundial, Fawcett fez duas expedições à Amazônia, e os resultados de ambas servem de base ao livro.

O que o filme adiciona, bem ao estilo da dramaturgia do diretor, é o contexto e a dimensão familiar que enformam a história de Percy. Existe um legado de perdição a ser confirmado ou desmentido pelo protagonista, a partir do momento em que ele escuta, talvez pela centésima vez, que seu pai era um jogador e beberrão que afundou o nome dos Fawcett, e a graça dos filmes de Gray, que dá a eles seu caráter trágico, é que o herói pode ao mesmo tempo desmentir e confirmar essa herança, sem que uma coisa exclua a outra. É mais do que conhecida a forma agridoce como o diretor encerra suas narrativas, e em Z não é diferente: na floresta Percy Fawcett encontra a si mesmo, mas ele nunca está sozinho. Passado e futuro se vislumbram e se completam.

Em boa atuação, a melhor de sua carreira, Hunnam encontra o equilíbrio ideal entre a interiorização de conflitos e a manifestação das suas ambições de explorador. Esse equilíbrio é central ao filme porque depende dele toda a narrativa de Z, contrapondo sempre as escolhas de Percy - o que ele decide priorizar na sua vida (as glórias de viagem, a fraternidade dos irmãos de armas) e o que prossegue mesmo na sua ausência (a perseverança da mulher, a criação dos filhos). Nesse vácuo, quem brilha de fato em Z é Sienna Miller, no papel da esposa de Percy, a quem recai outro fator trágico, o de carregar o peso do mundo sem ser reconhecida por isso.

Os filmes de James Gray sempre se esmeram pelo design de interiores, seja a sala de estar de uma família imigrante ou um quarto de hospital sombrio, ambientes decorados com pequenos traços de memória que ajudam a dar consistência a essas histórias onde questões de hereditariedade e determinismo social são tão importantes. No caso de Z, vale reparar como as salas estão sempre assombradas pelas figuras masculinas pintados em quadros, imagens totêmicas de gente que colocou seu nome na História. Que plano acachapante é o momento em que Sienna desce a escada em direção à saída, diminuída por um desses homens que observam, pendurados na parede.

Essa imagem se engrandece e ganha outra dimensão porque Percy Fawcett sempre justificou sua jornada pelo viés revisionista. Visitar o passado para escrever "uma nova história" é o seu mote ao longo do filme, mas o explorador é incapaz de perceber, na relação com a esposa, as oportunidades de escrever uma história de transformação compartilhada com a mulher. Como sempre, Gray sublinha sutilmente essas questões de afeto sem diminuir-lhes a potência: a despedida entre Percy e seu aliado de expedições (Robert Pattinson, cada vez melhor) é breve mas sentida, e sempre que Percy volta para casa, a câmera encontra enquadramentos novos à distância para demarcar o isolamento do importante pai da família (como a moldura das árvores no momento em que Hunnam, de costas, tira e entrega o casaco ao chegar).

A noção de que Percy Fawcett está, no fim das contas, em busca de emoldurar seus momentos de grandeza e glória (e eventualmente colocar sua figura num dos quadros na parede), ao mesmo tempo em que abraça uma missão em comunidades indígenas em que possa desaparecer anonimamente nos mistérios da alteridade da floresta, é mais um traço das muitas dualidades que tornam especiais os filmes de James Gray.

Nota do Crítico
Ótimo