Culpar Summer pelo término com Tom era uma reação praticamente unânime entre os fãs de (500) Dias com Ela há dez anos, quando o filme chegou aos cinemas. Afinal, dispensar o personagem de Joseph Gordon-Levitt, doce e idealista, só poderia ser uma decisão de alguém sem coração, certo? Não, não é bem assim. Com o passar do tempo, a comédia romântica ganhou um novo entendimento e, hoje, o então príncipe encantado dos tempos modernos tornou-se até mesmo detestado por alguns espectadores.
Desde o início, o filme deixa claro que não se trata de uma produção convencional do gênero. Ainda que em tom de brincadeira, a citação que abre a história ("O filme a seguir é uma história de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Especialmente você, Jenny Beckman. Vaca") já evidencia que os eventos narrados envolvem, no mínimo, uma frustração de seu autor - como a que veremos o próprio protagonista passar. Em 2009, o diretor Marc Webb comentou essa “homenagem” do roteirista Scott Neustadter à moça, em entrevista ao Omelete. “Este filme é sobre aquela época da vida em que você espera certas coisas que nem sempre vêm, e Jenny Beckman era a manifestação disso para o jovem Scott”.
Não à toa, Tom é apresentado como um cara idealista - “o garoto de Margaret, Nova Jersey, [que] cresceu acreditando que nunca seria realmente feliz até que conhecesse a mulher da sua vida”, para ser mais exato. Então, quando vê Summer pela primeira vez, ele tem quase certeza de que ela é essa tão sonhada cara-metade. Ele sempre esteve esperando por ela.
Mas, o que o aspirante a arquiteto não percebe na trama, Neustadter e seu colega Michael H. Weber têm claro: a Summer por quem Tom se apaixona não é real, é uma ideia. Por isso, mesmo expondo a perspectiva de Tom sobre tudo o que aconteceu - e, portanto, um recorte parcial do relacionamento -, (500) Dias com Ela deixa pistas de que o jovem tem um olhar distorcido na sua versão da história.
A primeira delas e, possivelmente a mais clara, é a completa descrença de Summer com o amor. Mesmo que ela tenha dito isso explicitamente e ter deixado claro que nunca teve interesse em um namoro, Tom acredita que ele pode mudá-la. Outro momento é a reação exagerada do jovem à apatia de Summer diante das suas tentativas de chamar sua atenção. De repente, uma simples ênfase na palavra “bom” vira um indício de que ela passou o final de semana transando com um homem que ele conheceu na academia. Ao escolher ignorar esses e outros tantos sinais, o espectador assume a postura desiludida de Tom e se torna coautor desta narrativa.
Talvez, estas pequenas atitudes problemáticas fiquem mais claras hoje porque se tornou cotidiana a discussão do machismo. Logo, nosso olhar para situações como a do casal esteja menos turvo - a mulher que rejeita não é vilã, por mais bom moço que seja o pretendente. Talvez, nem mesmo os autores do filme tivessem noção da dimensão das complicações de um personagem como Tom. Mas, é justamente por isso que reassistir uma obra anos depois pode ser tão bem-vindo: para entender como você mesmo pode ter mudado de ponto de vista em um período curto.
Olhando em retrospecto, culpar Summer pelo fracasso daquele pseudonamoro é o equivalente contemporâneo e indie de acreditar que Capitu traiu Bentinho. Nem (500) Dias com Ela, nem Dom Casmurro são obras sobre estas mulheres. Elas funcionam como artifícios para discutir sentimentos humanos, que podem ganhar outro escopo em uma sociedade patriarcal: a desilusão e o ciúmes. Então, por que procurar por culpadas?