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Obscurinho do cinema

Obscurinho do cinema

23.08.2004, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 13H06

Oldboy

Sympathy for Mr. Vengeance

Memories of Murder

O cinema sul-coreano

Oldboy

Oh Daesu bebe demais e acaba na delegacia. No caminho de volta para casa, é seqüestrado e trancado numa cela disfarçada de quarto de hotel. Sem saber por que foi preso, e muito menos por quem, ele passa o tempo brigando contra a parede, vendo televisão e anotando os nomes de todas as pessoas que já prejudicou. Descobre então, num noticiário, que é acusado de assassinar sua mulher. Quinze anos depois, ele é finalmente libertado no topo de um prédio de apartamentos.

Esses são apenas os primeiros minutos de Oldboy (Coréia do Sul, 2003), dirigido por Chan Wook-Park, vencedor do Grand Prix do último Festival de Cannes. Baseado numa revista em quadrinhos japonesa, o filme é confuso e cheio de reviravoltas, mas não recorre a explicações manjadas nem a fórmulas esdrúxulas.

Não dá para contar o enredo sem estragá-lo. A trama mistura uma vasta gama de gêneros cinematográficos (ação, suspense e policial), que vão sendo jogados para o alto e virados do avesso. A primeira pista que Oh Daesu segue, por exemplo, é o gosto dos pasteizinhos fritos que lhe foram servidos durante os últimos quinze anos. Ele é obrigado a percorrer dezenas de restaurantes até conseguir encontrar o sabor correto. A partir daí, parte em uma vingança doentia, interrogando suspeitos e tentando entender um dos mais elaborados quebra-cabeças que alguém já armou para um inimigo.

O estilo do filme casa bem com o enredo, e o diretor sonega informações, confunde o espectador e depois amarra tudo outra vez. Sempre que você acha que solucionou o enigma, a história te passa uma rasteira e muda de rumo. Como o tema principal é a vingança, não faltam momentos de violência. Mas ela não é usada de maneira estilizada ou gratuita, e serve para revelar apenas mais uma das facetas que Park explora nas vendetas.

Nada disso seria possível sem a ótima atuação de Min-Sik Chi no papel principal. A transformação do personagem é perfeita e não soa nem um pouco artificial. O ator inclusive passou por momentos difíceis durante as filmagens. Na cena em que come um polvo vivo, iguaria já meio fora de moda na Coréia do Sul, o prato demorou a agir na forma esperada pelo diretor, e Choi teve que comer nada menos que QUATRO polvos "frescos".

Park é um dos diretores mais interessantes da atualidade, e está fazendo com seus colegas asiáticos o mesmo que Coppola, Scorcese e companhia fizeram para o cinema americano na década de 1970: uma reinvenção dos gêneros e clichês, e da forma de se contar uma história. Enquanto Hollywood passa mais uma vez, salvo raras exceções, por um período de estagnação criativa, os cinemas coreano, chinês e japonês estão cada vez mais originais e inventivos.

Agora, o diretor e mais oito colegas de profissão montaram uma produtora, com o intuito de facilitar a distribuição internacional de seus filmes. Oldboy ainda não passou no Brasil, e está disponível apenas em um DVD coreano de procedência suspeita. Para quem mora em São Paulo e tem um pouco de paciência, o filme foi confirmado para a 28ª Mostra BR de Cinema. Infelizmente, os estúdios norte-americanos já abocanharam os direitos para uma refilmagem, que deve acontecer no ano que vem.

Trilogia do Sr. Vingança

Quem gostar de Oldboy pode ir atrás de Sympathy for Mr. Vengeance (Boksuneun naui geot - Coréia do Sul, 2002), segundo filme de Park e o primeiro da trilogia do diretor sobre a vingança. Também é difícil colocá-lo em alguma categoria, mas talvez thriller psicótico seja o rótulo mais adequado. Sympathy conta a história de um rapaz surdo-mudo chamado Ryu, que precisa conseguir um rim para sua irmã doente. Para isso, Ryu e sua namorada seqüestram a filha do patrão dele, e pretendem usar o dinheiro para subornar um médico e furar a fila de transplantes.

Se em Oldboy as coisas não param de acontecer, Sympathy tem poucos diálogos e um ritmo todo próprio. Como o protagonista é mudo, Park narra a história com imagens, sem dizer muito quem são as pessoas e deixando várias cenas explicativas de fora. Apesar da razoável confusão, o que acaba mesmo prejudicando o entendimento são as legendas. Diversas informações são reveladas em bilhetes e e-mails, mas o tradutor não se importou em explicar o que eles dizem. Se você assistir ao filme e ficar curioso, alguns sites têm as traduções que faltam. Após o sucesso em Cannes, a idéia do diretor agora é finalizar a trilogia, com um filme que ele está chamando de Sympathy for Lady Vengeance.

Memórias de um Assassinato

Para fechar com o cinema sul-coreano, fica também a recomendação do ótimo Memories of Murder (Sa-lin-eui Chu-eok, 2003), dirigido por Joon-ho Bong. Imagine Silêncio dos Inocentes em um país subdesenvolvido e sob uma ditadura militar. A polícia é ineficaz, tortura os suspeitos sem cerimônia e não há peritos e equipamentos. Os batalhões estão ocupados baixando o cacete em manifestações estudantis e os detetives querem apenas colocar o primeiro coitado que puderem na cadeia. Chega então um investigador de Seul, que se oferece para ajudar no caso.

Baseado em fatos reais, Memories é ao mesmo tempo um filme de suspense e uma crítica política. Os crimes retratados na fita foram cometidos pelo primeiro serial killer da história da Coréia. Na época, o caso mobilizou o país e o lançamento do filme serviu para reavivar a polêmica. Isso porque, ao invés de se concentrar nas cenas de assassinato, o diretor preferiu explorar a ineficácia da polícia e criticar os abusos cometidos pelos detetives. Sem perder o ritmo de suspense, Memories mostra o drama de uma das investigações mais incompetentes de todos os tempos. Joon-ho Bong está entre os nove integrantes da produtora de Chan Wook-Park e o filme também aparecerá por aqui na 28ª Mostra.