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Entrevista

Omelete entrevista: Rowan Atkinson

Omelete entrevista: Rowan Atkinson

19.04.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H14

English. Johnny English.

Paródia de James Bond.

Mr. Bean, o filme.

Mr. Bean e seu veículo.

Mr. Bean Laden

Entrevistamos em Londres o comediante Rowan Atkinson, mais conhecido como Mr. Bean, seu personagem mais famoso ao redor do mundo. O ator contou um pouco sobre sua carreira, suas criações e sua nova comédia, Johnny English.

Johnny English é um personagem que foi criado inicialmente numa campanha publicitária. Como ele foi parar no cinema?

Nós fizemos estes anúncios entre 1991 e 1995 para o Barclaycard [cartão de crédito de um banco inglês]. O personagem foi criado com este conceito de um espião que acaba fazendo tudo errado. Foi criado por quatro pessoas, sendo que eu era uma delas. Foi uma campanha de muito sucesso na época.

O nome original era Richard Latham e quando decidimos transformar em filme, achamos melhor rebatizá-lo para Johnny English porque era um nome mais fácil de ser lembrado. O personagem era o tipo de pessoa que sempre pensava que os benefícios que o cartão de crédito traria não valiam a pena e, claro, sempre se provava o contrário. Este era o conceito.

No fim da campanha nós vimos que havia algo no personagem e os anúncios eram como mini-filmes no seu estilo, idéia e ambição. Então pensamos em fazer um grande filme, mas só começamos a trabalhar no projeto mesmo em 1999.

Como você descreveria o filme? É uma tiração de sarro ou uma homenagem aos filmes de espionagem?

Ele está na área da gozação e da paródia, mas é muito perigoso tentar classificá-lo. Por exemplo, ele está bem longe de Austin Powers. O filme está realmente mais próximo de um filme do James Bond, porém com mais piadas e um personagem central mais cômico. Até mesmo o mundo de espionagem é o mesmo. É um filme bem sério, pelo menos pela forma como eu interpretei. É um personagem que você tem que seguir e acreditar no que ele está fazendo. E se você pensa em paródias como Corra que a polícia vem aí (Naked Gun, de David Zucker - 1988) e outros filmes do gênero, a história é sempre irrelevante, mas tem ótimas cenas. Claro que no nosso filme, a história é uma bobeira difícil de acreditar, mas não completamente, pois queríamos fazer uma coisa que as pessoas pudessem pensar é, isso até poderia acontecer.

E como você descreveria seu personagem? Ele não me parece muito esperto.

Bom, ele não é bem sucedido naquilo que está fazendo. Ele é obviamente uma pessoa abaixo das qualificações necessárias para o trabalho que foi designado. O que é interessante sobre Johnny é que para ele, tudo isso é um sonho virando realidade e ele gosta disso e acaba fazendo tudo com mais estilo do que você imaginaria. Ele sabe exatamente qual terno vestir, qual gravata usar, que carro escolher. Ele vai até que bem, ele sabe atirar e dirigir melhor do que se imagina.

A piada é que:
a) Ele é azarado. E;
b) Ele é pretensioso, muito cheio de si.
Ele é do tipo de pessoa destinada a falhar. Ele faz algumas coisas certas, mas daí ele vai achando que nada mais pode dar errado e começa a se gabar e é nesta hora que as coisas dão errado.


Você gosta dele?

Sim! Diferente da maioria dos personagens que eu já fiz, ele é uma pessoa genuinamente boa, o que com certeza não é o caso do Mr. Bean. Mr. Bean é um cara muito, muito egoísta. E Blackadder, que é outro personagem que fiz para TV inglesa, é uma pessoa impiedosamente negativa e cínica. Este dois não têm coração.

Você se inspirou em alguém quando criou o personagem?

(Risos) Não.

Ele lembra um pouco o Maxwell Smart [o Agente 86, série de TV dos anos 60], com o mesmo nível de pomposidade e confiança

Sim, é verdade. Mas eu não conheço muito bem Maxwell Smart e ele não foi inspiração para o Johnny.

Você é um dos responsáveis pela escolha do elenco deste filme?

Sim.

E por que você escolheu John Malkovich para interpretar um vilão francês? Você o conheceu lá na França [Nota do Editor: John Malkovich mora lá há 10 anos]?

Não, não conheci o John na França. Não o conhecia até então. Quando ele veio para a Inglaterra [filmar], ele foi muito gentil. Ele é brilhante e tem uma fala mansa. Ele é muito corajoso em suas performances. No bom sentido, ele é um cara que não liga muito para os papéis que faz. Espero que ele tenha ligado para o personagem quando resolveu fazê-lo, e não que ele tenha aceitado por qualquer outro motivo.

E Imbruglia? Ela não seria a primeira pessoa que se pensaria neste papel.

Eu acho que ela foi a escolha certa. Ela foi muito bem. Ela dá ao personagem um sentido australiano de bom senso. Ela é exatamente o oposto ao meu personagem, não tem este estilo nonsense.

Kylie Minogue teria mais a cara da Austrália, não?

Mas nós queríamos alguém mais cool. Não acho que Kylie teria este poder.

Cool em que sentido?

Ela teria que ser um pessoa no comando. Como eu estava dizendo, meu personagem tem toda esta arrogância e pomposidade, então precisávamos de alguém que viesse na direção contrária, como são os caso de Bough [Ben Miller] e Lorna Campbell [Imbruglia]. Eles chegam e falam veja bem, o bom senso nos manda fazer isso e isso dá a deixa para o meu personagem virar e falar tudo bem, isso até faz sentido, mas eu tenho informações confidenciais que nos mandam ir por este outro caminho, que obviamente acaba sendo o caminho errado.

Tem alguma verdade que você tentou mostrar em Johnny English por meio da comédia?

A única verdade, que está apenas nas entrelinhas, é o bizarro tamanho do poder que a Rainha tem, mas nunca usa. O exército e a polícia fazem o juramento de defender não o país, ou o primeiro-ministro, mas sim a Rainha. Ela é a única pessoa que as pessoas dizem ok, nós faremos o que você quiser.

Ela tem os seus afazeres e os exerce com perfeição, mas ela tem um poder em suas mãos que é extraordinário e que ela nunca usa. E a história é sobre isso, uma pessoa que se torna o rei da Inglaterra e percebe que pode se utilizar deste poder de uma maneira errada.

Você é um seguidor da monarquia?

Eu não sei o porquê, mas adoro a monarquia. Acho uma instituição intrigante. Não é uma coisa racional e completamente imperfeita por ser uma instituição muito humana. São pessoas mandando em outras pessoas e isso gera incongruências e alguns absurdos. Mas mesmo assim, eu acho um sistema fascinante que contrasta com a racionalidade da república.

O que te levou a trocar a escola de engenharia pela carreira de ator?

Era só um hobby que acabou virando um emprego. Eu fazia estes quadros cômicos como brincadeira enquanto estudava engenharia. Foi nesta época que eu conheci Richard Curtis, roteirista com quem comecei a trabalhar e criei todos os personagens que interpretei.

Se a carreira de ator não tivesse funcionado, você gostaria de ser um piloto de fórmula 1, ou qualquer outro tipo de corrida automobilística?

[com voz tímida] Eu adoraria, mas eu não tenho o talento necessário.

Mas você corre, certo?

Sim. Eu dirijo um Aston Martin [N.E.: a marca de carros que ficou famosa nas mãos de James Bond], num campeonato de Aston Martins. Eu não pude participar das corridas do ano passado porque nós estávamos fazendo o filme e as seguradoras não aceitariam fechar o contrato se eu estivesse correndo. Mas por outro lado, eles não têm cláusulas que te proíbam de esquiar, ou andar a cavalo... hehehe

Você já sofreu algum acidente?

Sim. Alguns.

Ficou muito caro para arrumar?

Na verdade, a vergonha de bater o carro é maior do que o conserto em si.

Qual o modelo?

V8 Zagatót, de 1986. Foram produzidos apenas 50 deles.

E no filme você também dirige um Aston Martin.

Sim, um DB7 Vantage.

Você realmente gravou as cenas de perseguição guiando o Aston Martin?

A maioria destas cenas foram feitas por uma segunda unidade, contratada para economizar tempo e filmar paralelamente, enquanto você está fazendo outras cenas. Infelizmente não dá para filmar tudo o que você quer, então muitas cenas que você vê, na verdade não fui eu quem fiz. Mas outras são.

Dizem que Pierce Brosnan ganhou de presente o Aston Martin Vanquisher que ele dirigiu em 007 - Um novo dia para morrer. Você ganhou algo do set de Johnny English?

Pra falar a verdade, não. Devia ter pedido algo, né? Hahaha

Por trás da máscara do comediante Rowan Atkinson, você é uma pessoa melancólica, sensível, bem humorada. Como você se descreveria?

Eu não sei... [olhando para cima] quieto, eu acho.

Quais são suas maiores influências cômicas?

Monty Python, John Cleese, Jacques Tati, o comediante francês. Monsieur Hulot, um personagem que ele criou, foi uma grande influência para Mr. Bean. Além destes, eu adoro Dame Edna Everage, do Barry Humphries.

E como é fazer humor de situações extremas como os dias de guerra em que vivemos hoje, ou dos ataques terroristas de 11 de setembro?

É algo muito difícil, pois a própria natureza da comédia satírica está intrinsicamente ligada ao que é politicamente incorreto. Porque a comédia está muito ligada ao sofrimento. Se você está rindo de algo, é porque alguém está conceitual, ou fisicamente, passando por algo ridículo, ou sofrendo de qualquer forma.

Se você faz uma piada religiosa, por exemplo, não tem como esta religião não sofrer. É disso que as pessoas vão rir. E, por motivos óbvios, muita gente pode não gostar disso, ou se sentir ofendida. E é aí que entra o papel do comediante, que é achar o caminho certo de fazer uma piada sobre alguma coisa que divirta as pessoas sem ofendê-las. O problema é que as duas coisas andam de mãos dadas. Às vezes, as coisas que as pessoas acham mais engraçada é a que mais ofende um outro grupo.

Me lembro de que umas três semanas após os atentados de Nova York, Richard e eu estávamos na casa dele pensando nesta idéia para um quadro. Na época todo mundo estava procurando por Osama Bin Laden e haviam rumores de uma caverna onde ele estava escondido.

Aliás, um parênteses, estava rodando pela internet na época uma animação do Osama Bean Laden, com a minha cara, uma barba e falando como o Bin Laden, que era bem engraçada.

Mas, voltando, eu imaginei que podia fazer este cara saindo da caverna e cantando aquele musical Oliver, que tem um personagem chamado Fagen que canta uma música chamada I’m reviewing the situation. [e começa a cantar] Daí ele começa a rever quais as opcões e entra e sai da caverna o tempo todo. Richard estava improvisando em cima da letra. Era muito desafiador trabalhar nisso porque era extremamente perigoso. Era claramente a melhor e a pior hora para fazer uma piada dessas. Era ótimo porque todo mundo só falava sobre isso e este era o tipo de coisa que você gostaria de rir. Mas era um risco enorme de que as pessoas se ofenderiam. Enfim, nós acabamos desistindo da idéia.

Por que vocês desistiram deste quadro do Bin Laden?

Nós não conseguíamos pensar num contexto para apresentá-lo. Não poderíamos fazer um programa para TV. Nós até poderíamos fazer algo para a internet, mas não sabíamos quem pagaria pela produção.

Existe algum assunto que não dá pra fazer piada?

Não, mas existe o momento certo para fazê-las. Não dá pra fazer uma piada sobre queda de avião logo depois de um acidente destes. Mas se você esperar uns seis meses, ok. Tudo depende do contexto e do timing.

Você tem evitado os temas políticos ultimamente...

Não. Eu não evito o assunto. A diferença é que não tenho a chance de fazer sátiras políticas hoje. Eu não tenho mais um programa de TV.

E como lidar com este mundo politicamente correto?

Pois é. O mundo mudou bastante. Mas as piadas que você pode fazer são as melhores. Quanto mais perspicaz você é com suas piadas, melhor. Quando você é ofensivo, a piada é só meio boa, porque alguém vai acabar não gostando.

Nós fizemos um quadro uma vez que mostrava um aparelho desenvolvido para ajudar os surdos. Toda vez que o telefone tocava, uma lâmpada se acendia. Daí ele ia até o aparelho e ficava falando Alô? Alô? E daí as pessoas percebiam a inutilidade do aparelho, pois se ele é surdo. Era uma piada tão interessante que ninguém nunca reclamou.

Já aconteceu de você estar falando de alguma coisa séria e as pessoas começarem a rir, pensando que você estava brincando?

[silêncio] Não. A não ser que esteja acontecendo agora. Hahaha