ATENÇÃO: Spoilers de Pinguim a seguir!
O primeiro episódio de Pinguim termina ao som de Dolly Parton. Um dos hits mais emblemáticos da rainha do country, “9 to 5”, toca sobre os créditos finais do capítulo como um aceno para uma sequência vários minutos antes, na qual o protagonista (Colin Farrell) liga o seu carro e, envergonhado, precisa silenciar o rádio quando ele começa a tocar a canção no último volume. É justamente nesse tipo de desvio bem humorado que mora a maior virtude de “After Hours”, capítulo de estreia escrito pela showrunner Lauren LeFranc - cujos créditos anteriores incluem Chuck, Agents of SHIELD e vários outros títulos de espírito ostensivamente mais leve do que a história sombria de máfia que esta série da HBO tem vendido ao público.
Acontece que Pinguim, veja só, não é o que foi vendido. Diante do desafio de mesclar o universo dos quadrinhos do Batman com uma trama de máfia à la Família Soprano, LeFranc e o diretor Craig Zobel (fãs do ótimo thriller Obediência sabem que ele também tem um pendor para o humor ácido) optam pela via do pastiche e do operático. A ascensão de Oz ao topo do império criminoso de Gotham City, portanto, começa com um assassinato de impulso e segue adiante através de diálogos afiadamente novelísticos, pontuados sem nenhuma sutileza pela trilha de Mick Giacchino (sim, ele é filho do Michael), um procedimento que tem muito mais a ver com a ópera rasgada de O Poderoso Chefão do que com o realismo prestigioso de Sopranos.
E as performances, por sua vez, seguem a deixa. Farrell preenche as próteses corporais de seu Oz com ambição e truculência, sim, mas sabe expressar que esses dois motores do personagem são alimentados pelo ressentimento arraigado de um filhinho-da-mamãe que sempre ouviu que era especial - até encontrar alguém indisposto a mentir para ele. Cristin Milioti, por sua vez, entra em cena como Sofia Falcone só para desenhar com ainda mais força a linha tênue entre drama e comédia na qual a série anda, toda sorrisos e tiques divertidos, mas igualmente adepta a um olhar de desespero afiado, que toca o espectador mais fundo do que o esperado.
No fim das contas, o mais legal de perceber este humor que alimenta Pinguim é que ele faz muito para reaproximar a franquia de Matt Reeves das HQs. Ao menos neste primeiro episódio, a série se move com um ímpeto, um dinamismo, uma consciência pop dos gêneros em que transita e das ideias que precisa - de alguma forma - refrescar que simplesmente não existia no filme do qual ela se originou. O Batman de Reeves, tão focado em observar e mapear as sensações de seu mundo, tornado-o palpável (uma magia deliciosa de se viver no cinema, não me leve a mal), tinha perdido de vista um pouco essa ideia do universo quadrinístico como espaço de comentário e renovação de todos os gêneros que o cercam.
É o lado bom, enfim, de uma franquia que não controla tão rigidamente o tom e as ideias de todos os seus capítulos: o próximo sempre pode resgatar e dar destaque aos elementos que o anterior, até por necessidade de escolha, colocou de escanteio.