ATENÇÃO: Spoilers de Pinguim a seguir!
Pinguim é uma história de fantasmas - e, no finale “A Great or Little Thing”, eles finalmente chegam para nos assombrar. Nas mãos da showrunner Lauren LeFranc, que retorna para assinar o roteiro deste último episódio, a série se desdobrou com habilidade num retrato de personagens definidos pelas sombras de seus passados, pelas consequências dolorosas de escolhas gananciosas, privilegiadas, mesquinhas… seduzidos pela promessa de poder e autonomia do sonho americano (“As pessoas fariam qualquer coisa para sair debaixo da bota que pisa em seus pescoços”, diz Oz em uma cena do finale), eles criaram seus próprios fantasmas.
A brincadeira mais bacana dessa temporada de Pinguim foi manter a integridade dessa narrativa enquanto passeava por chavões de gênero. Da comédia de classe trabalhadora do episódio inicial ao drama social do capítulo ambientado em Arkham, passando pela emulação quadrinística mais franca que se desenrolou entre uma coisa e outra, Pinguim se acomoda por fim no horror de uma Gotham mal-assombrada. Daí que Frances (Deirdre O'Connell, que brilhou intensamente na segunda metade da temporada) vê uma aparição dos seus filhos mortos, ainda encharcados da enchente que os matou, antes de sofrer o derrame que sela o seu destino.
Sofia (Cristin Milioti, ótima até quando se entrega à caricatura), enquanto isso, tenta queimar os seus próprios fantasmas e começar uma vida livre deles - mas percebe que é impossível fugir de assombrações que não se contêm em paredes, roupas e escrivaninhas. A história dela é a de uma mulher que esgotou todas as rotas pelas quais poderia tentar tomar controle de sua própria história, e que acaba exatamente onde começou: sob a bota de uma cidade que não permite que ela seja nada além da filha de seu pai, e que a silencia decisivamente, claustrofobicamente, quando ela se rebela contra isso.
E Oz? Bom, Oz finalmente encontra o poder, em “A Great or Little Thing”... porque se rende aos próprios fantasmas. Da negação convicta de responsabilidade que define sua atitude na cena inicial do episódio à vitória amarga que dita os momentos finais dele, a roteirista LeFranc termina de desenhar um arco em que seu protagonista se torna um monstro ao abraçar todas as coisas monstruosas que já foi capaz de fazer. E ela toma cuidado para pintar cada uma dessas violências como uma escolha: Pinguim é mais potente, e mais trágica, na medida que reconhece que somos nós quem definimos as medidas de nossa moralidade - e que, mesmo assim, frequentemente nos rendemos a um mundo que a distorce para além de qualquer reconhecimento.
Enquanto a diretora Jennifer Getzinger (Mad Men, Jessica Jones) introduz um léxico visual muito mais árido, até impiedosamente direto, à série, Pinguim fecha sua história com um episódio de cinismo cruel, que corta mais fundo até pelas muitas chances que a série nos deu para entender seus personagens como seres complexos construídos em cima do caricatural do universo onde habitam. No fim das contas, no entanto, essa é a história do nascimento de um vilão, uma gárgula de Gotham, uma assombração que vaga as ruas arruinadas de uma cidade moralmente falida. Um fantasma entre tantos outros num conto de terror, e não menos real por isso. Assustador, não?