Pluto (Netflix/Divulgação)

Mangás e Animes

Crítica

Pluto é homenagem sensível e bela com alma de Osamu Tezuka

Anime adapta mangá de Naoki Urasawa que reinventa o universo de Astro Boy

06.11.2023, às 14H25.

Toda arte tem seu mestre. Em algumas delas, eles são chamados de gênios, outros de mãe ou pai daquele movimento, mas são poucos os artistas que conquistam a alcunha de “deus”. Com uma mente muito à frente de seu tempo, Osamu Tezuka, o deus do mangá, criou alguns dos títulos mais importantes da história como Dororo, Budha, Metrópolis e sua obra-prima, Astro Boy. Nela, conhecemos um mundo onde humanos e robôs dividem espaço e um jovem androide chamado Atom (ou Astro, no ocidente) protege a Terra de inimigos terráqueos ou não.

E, assim como Tezuka abraçou Pinóquio para dar vida ao Astro Boy, três décadas após sua morte, Naoki Urasawa (Monster e 20th Century Boys) remontou a obra-prima do deus em Pluto. O mangá de oito volumes não apenas trouxe um olhar contemporâneo para a história de Tezuka, como também um tom de investigação policial para a trama dos robôs. Por esse motivo, mesmo tendo sido lançado junto a outras homenagens e releituras de Tezuka, Pluto se destacou, e agora ganhou uma bela adaptação em anime pela Netflix.

No anime, assim como no mangá, humanos e robôs coexistem em harmonia. Uma série de assassinatos se inicia, porém, vitimando cientistas e os sete robôs mais avançados do mundo. O caso vira uma grande investigação da Europol, e o detetive-robô Gesicht entra em ação para desvendar o que está por trás dos massacres, que mais parecem obra de um robô. Enquanto boa parte da história foca no detetive e em suas impressões dos fatos, o foco oscila no decorrer dos episódios e dá destaque para os demais super-robôs, como Epsilon e Atom, o Astro Boy.

Mesmo sendo o personagem que possibilitou que Pluto existisse, o robô em forma de criança não fica com todo o método da trama para si. Um dos principais trunfos da releitura de Urasawa é justamente criar um trabalho em equipe realmente funcional. Todos os personagens que passam pelo centro da trama têm sua importância para a construção da história. E, nenhum deles, mesmo que tenham morrido prematuramente na obra, acaba inútil para a história.

Por serem máquinas controladas por inteligência artificial, os robôs não parecem possuir emoções genuínas. Todos eles estão sempre observando e imitando reações humanas para se relacionarem no dia a dia. Choro, riso, raiva e desespero são construções diárias que apenas as máquinas mais avançadas conseguem fazer. Esse aprendizado constante serve como motor para a evolução desses personagens, que precisam viver suas histórias em um enredo de poucos dias.

Mas o anime usa essa relação entre humanos e IA para ir além de seu universo e referencia os debates contemporâneos sobre o uso da ferramenta. Já no primeiro episódio, vemos se desenvolver uma interessante discussão sobre arte feita por inteligência artificial. De um lado, um maestro cego e aposentado tenta compor uma nova música, mas sem sucesso; de outro, North Nº 2, um dos sete robôs mais avançados do mundo.

Após vivenciar a guerra, a máquina deseja levar uma existência pacífica como mordomo e vai trabalhar para o músico ranzinza. Nos primeiros dias ele tenta tocar piano, mas é agressivamente expulso pelo velho maestro. O homem alega que uma máquina não pode compor, e o robô diz que pode aprender. A discussão segue durante os dias de convivência entre os dois e a solução vem da forma mais humana possível: o músico passa a criar afeição pela máquina e, consequentemente, a humanizá-la. Essa conexão afetiva de repente passa a validar o desejo da máquina por compor e a música que ele produz. Essa divisão entre homem e máquina se estreita no anime, que eleva o debate entre humano e inumano na cultura pop a um nível revolucionário, como apenas Blade Runner e Matrix já conseguiram.

Misturando a nostalgia de um clássico de Tezuka à modernidade e suspense típicos de Usurawa, Pluto entrega uma trama robusta e densa, mas que não abre mão de entreter com facilidade. Contemplativo, instigante e encantador, o anime dirigido por Toshio Kawaguchi (Akira, Ghost in the Shell) possui a alma do deus do mangá e é um dos maiores lançamentos de sua época.

Nota do Crítico
Ótimo