Não, você não leu errado. Andrew Garfield, protagonista dos dois piores filmes do Homem-Aranha, é também aquele que entregou a melhor versão do personagem em live-action. Como associá-lo ao fracasso que foi a franquia O Espetacular Homem-Aranha é inevitável, é fácil esquecer o quão bem o ator incorporou o Amigão da Vizinhança, seja na maneira como sua versão do personagem se movimentava ao balançar pela cidade ou na entrega das piadas e provocações características do herói.
Entre os três intérpretes do Teioso, Garfield é, talvez, o ator mais completo. Mesmo com um roteiro extremamente limitado, ele conseguiu explorar, com uma atuação emotiva e cheia de nuances, camadas da personalidade do herói que Tobey Maguire e Tom Holland não conseguiram alcançar mesmo em filmes bem superiores. Diferente dos colegas, seu trabalho não parecia limitado pelo uso do traje azul e vermelho, mas evidenciou uma incrível presença física ausente nos Aranhas dos filmes de Sam Raimi e Jon Watts.
Com frequência, os gestos de Garfield serviram como substitutos para o texto superficial que lhe foi apresentado. O melhor exemplo está justamente em sua primeira grande cena após vestir do Homem-Aranha, quando ele confronta um possível suspeito pela morte do tio Ben (Martin Sheen). Na sequência em questão, o ator usa uma leve alteração de postura que traduz seu humor e mudança de intenções (de zombaria a agressividade), talvez de forma até melhor que os olhos digitais de Holland.
O mesmo pode ser observado na cena final de O Espetacular Homem-Aranha: A Ameaça de Electro, quando, segundos antes de enfrentar o Rino (Paul Giamatti), o Escalador de Paredes conversa com um garoto fantasiado de Homem-Aranha que se colocou na frente do vilão. Mesmo com o rosto coberto e imóvel, Garfield transmite a ternura do herói - assim como seu ânimo em estar de volta ao campo de batalha - apenas com sua voz e com movimentos que podem não se destacar à primeira vista, mas que aprofundam o personagem mais do que os diálogos expositivos fizeram.
Ironicamente, a construção do Peter Parker de Garfield deixa muito a desejar. Não sabendo como explorar a dualidade entre o garoto e seu alter-ego, o ator não consegue deixar os maneirismos do Homem-Aranha de lado e acaba apagando a dualidade que existe entre o jovem retraído e o vigilante descolado, algo essencial na vida do personagem. Embora Webb e sua equipe tenham uma culpa inegável nesse péssimo retrato, o fato de Garfield não transitar entre essas duas faces opostas não pode ser ignorado, por melhor que seu Teioso seja.
Aliás, a qualidade de seu trabalho sob a máscara é parte do que torna os dois filmes da franquia Espetacular tão frustrantes. Ao invés de aproveitar o talento de Garfield e as criativas coreografias de ação e mostrar o máximo de Homem-Aranha o possível, Webb e Sony optaram por reduzir o tempo de tela do Cabeça de Teia, preterindo-o para dar espaço ao romance entre Peter e Gwen. Apesar da química entre Garfield e Emma Stone ser, sim, incrível, esse foco fez com que os longas alternassem de forma inconstante entre ação e comédia romântica, sem nunca convencer de verdade em nenhum dos dois gêneros.
Enquanto a qualidade dos filmes em si não traduz a boa atuação de seu principal ator, é muito difícil revisitar O Espetacular Homem-Aranha sem admirar o que Andrew Garfield trouxe ao papel. Ao lado de Stone, ele é o grande responsável por tornar as produções suportáveis - para não dizer divertidas - e é merecedor de todos os elogios emitidos pelos fãs de sua interpretação do Homem-Aranha. Não que Maguire ou Holland não tenham feito belos trabalhos com o personagem, mas, para muitos - eu incluso -, só Garfield foi, com perdão pelo trocadilho, espetacular.