Unlimited Love, lançado no último dia 1º de abril, é o mais novo álbum do Red Hot Chili Peppers - e é quase impossível começar esta crítica sem parafrasear uma de suas próprias novas músicas, "These Are The Ways": esse é o jeito quando você ouve os Chili Peppers; as visões, os sons, os cheiros.
De diversas formas, Unlimited Love concentra o som clássico da banda californiana, em parte pelos retornos do guitarrista John Frusciante e do produtor Rick Rubin. Porém, agrega mais: o impacto do tempo, no bom sentido disso.
Aliás, vale dizer que nesses quase 40 anos de carreira, o Red Hot Chili Peppers lançar um novo álbum é quase um acontecimento. Não apenas pela qualidade das músicas e pelo que a banda representa, mas simplesmente porque o ritmo de produção dos californianos é próprio, para não dizer lento. Afinal, foram 12 álbuns até hoje - sendo cinco nos últimos 20 anos.
Não, não é exagero apontar a morosidade deles. Afinal, dá até para acompanhar a transformação do cenário musical e mundial a cada lançamento do grupo. Por exemplo, Californication, maior sucesso comercial da história dos músicos, foi lançado no ano que representou o auge da indústria fonográfica em faturamento: 1999. Dois álbuns depois, em 2010, essa mesma indústria estava em declínio quando lançaram I’m With You, com a venda de CDs despencando enquanto o futuro parecia ser dos downloads (pagos) em plataformas como o iTunes.
Em 2016, quando saiu The Gateway, os downloads estavam em queda - e o streaming (de Spotify e concorrentes) já estava engrenando a sua marcha de crescimento exponencial. Agora, Unlimited Love chega em um momento não só no qual o streaming de áudio é a tendência, como essa indústria se transformou com os stories (e seus recortes de 15 segundos) e dancinhas de TikTok.
A música nunca esteve tão forte, e tão presente, no nosso dia a dia.
No entanto, o maior impacto que o tempo traz é, mesmo, na maturidade. Anthony Kiedis (vocal), Flea (baixo) e Chad Smith (bateria) estão todos com 58 a 60 anos de idade. John Frusciante é mais “novo”: 52.
Tudo isso se reflete em um álbum que não chega para lidar com o TikTok e o seu público. Na realidade, o grupo está preocupado com a sua própria jornada dentro dessas transformações do mundo.
"Black Summer", música de abertura do álbum e primeiro single, é um excelente ponto de partida. Afinal, soa muito com o que o Chili Peppers sempre fez, principalmente a partir de Blood Sugar Sex Magik (de 1991). Isso ocorre também na letra - que agrega um caleidoscópio de retratos do mundo, abordando nas suas entrelinhas temas que vão de aquecimento global à censura, ou mesmo o isolamento causado pela pandemia.
Essa visão para o mundo moderno se expande ainda mais no segundo single: "These Are the Ways". Kiedis e seus colegas sempre foram conhecidos por cantarem os altos e baixos de Los Angeles, mas aqui fazem uma crítica mais ácida a como se vive nos EUA de hoje e como o país lida com parte da sociedade. “Perdido em um sonho. Por favor, deixe-me descer da sua máquina de bullying”, diz a letra.
Na real, uma mensagem sobre o que queremos deixar para quem nasce agora - e que ganha mais camadas de reflexão com o clipe.
Porém, como o próprio nome entrega, Unlimited Love é mesmo sobre amor, das mais diversas formas. Em "Not The One", o som melódico - mérito de um Frusciante extremamente criativo e solto após retornar de uma interessante carreira solo - é acompanhado de uma letra anti-amor líquido.
Afinal, enquanto nós, na geração do Tinder, procuramos pessoas que se encaixam em características pré-definidas em nossa cabeça e descartamos (após usar) todos que são diferentes disso, a canção fala sobre um apaixonado que tenta se encaixar naquilo que o outro deseja - e é descoberto. Sobra, então, a melancolia de quem pede uma última chance mesmo sem ser o “escolhido”.
Nessa mesma linha, "Here Ever After" é uma das joias de Unlimited Love: com um baixo mais nervoso de Flea e uma bateria forte de Chad Smith, revela as sensações de encontrar aquela garota que nos faz “querer ir mais rápido” - isso banhado com a luz neon colorida das lojas de bebida de Los Angeles.
Já a expressão “amor sem limites” aparece mesmo na letra de "She’s a Lover", que narra justamente essa busca de uma mulher por um amor “para agora” - enquanto o outro, ou a outra, busca um abraço apertado ao acordar no dia seguinte. De se sentir aquecido e completo.
Agora, é a balada de "White Braids & Pillow Chair" que faz querer viver para sempre dentro daqueles acordes. Soa como a vida perfeita: um Karmann-Ghia no estacionamento (será que está vivo mesmo?), alguém para chamar de “babe” enquanto passa as noites e, no dia seguinte, poder curtir o azul da Califórnia.
Tudo isso sempre regado por influências únicas para uma banda que nasceu fortemente influenciada pelo funk dos anos 1980, de George Clinton, e seguiu bebendo das mais diferentes fontes possíveis dentro da música americana contemporânea - indo do alternativo ao psicodélico.
Referências, aliás, que fazem questão de homenagear em "Poster Child", uma das músicas de Unlimited Love que, apesar de não ser um single propriamente dito, ganhou um interessante clipe animado, feito justamente ao estilo psicodélico dos anos 1980.
Outra viagem ao passado, com um som bem funk, é em "Aquatic Mouth Dance", ainda que aponte também para a realidade em que vivemos hoje. “Alguém tem que vir aqui e me ensinar autocontrole. Ou eu deveria apenas dizer foda-se e pronto?” canta Kiedis.
Tudo isso fecha com "Tangelo", que troca a guitarra pelo violão - e lembra, de certa forma, "Road Trippin’", música que encerra Californication. Porém, se daquela vez era uma celebração ao amor dos amigos enquanto curtia uma viagem, aqui revela o sentimento do amor transcendental.
“Quando eu estou próximo de você, eu me sinto como um rei. Uma força de vida dentro de mim para fazer qualquer coisa”, canta Kiedis para revelar na última parte que a amada se foi. “Mas o sonho desse amor nunca morreu”.
E é assim, com o silêncio da oração e das ondas do mar ao fundo, que o Red Hot Chili Peppers encerra aquele que é o seu mais maduro álbum da carreira, além de ser o de melhor qualidade geral desde By The Way (de 2002, há 20 anos!).
Uma obra que, no mundo dos streamings de música e TikToks de poucos segundos, precisa ser ouvida em sua totalidade de 17 músicas, de 73 minutos. Mais do que isso: que conversa com o mundo de hoje, com o mundo de onde viemos e para onde vamos.