Parece óbvio dizer que o segredo do sucesso de Sabrina Carpenter é o bom humor atrevido, até admitidamente indecente, que permeia seu trabalho como letrista. “Espresso” se tornou o acontecimento pop do ano neste lado do Atlântico ao amarrar dezenas de versinhos espertamente sugestivos em uma mensagem de confiança absoluta, até arrogante, levado por sintetizadores reverberantes e o registro mais ofegante - quase Marilyn Monroe - da vocalista. O bom humor é o trunfo de Carpenter, e disso já sabíamos, mas o que o novo álbum Short N’ Sweet faz de melhor é mostrar por que precisamos desse bom humor no cenário do pop ocidental, e por que ele pode ser a própria chave do fazer pop na contemporaneidade.
Em 12 faixas e pouco menos de 40 minutos (uma duração menos apropriada para o título do disco do que pode parecer, especialmente dentro de um cenário onde álbuns de 20 ou 30 minutos não são raridade), Carpenter e seu time de produtores adentram tendências e vícios do pop contemporâneo somente para arrancar deles o subtexto, o que eles deixam não-dito, e… bom, dizê-lo em voz alta, de preferência com um sorrisinho irônico no rosto. Então, se parte do Short N’ Sweet vai de encontro ao estilo country-folk confessional das fases mais recentes de Taylor Swift, até emprestando certos padrões melódicos da loirinha (com quem Carpenter fez turnê, inclusive), a familiaridade só está aqui para ser sacudida com o tipo de confissão que Taylor Swift jamais faria.
Em “Dumb & Poetic”, por exemplo, Carpenter canta por cima de um violão contemplativo que um ex-namorado “tentava se passar por suave e inteligente/ batendo p*nheta com letras de Leonard Cohen”. E não é só humor grosseiro que entra na roda - a doída “Lie to Girls” traz a cantora lamentando as ginásticas retóricas que as mulheres fazem para dar outra chance aos homens pelos quais se apaixonam: “As garotas vão chorar, as garotas vão mentir/ As garotas vão fazer isso até morrer por você”. Muito desse desdém e dessa falibilidade existe nas canções gravadas por trovadoras pop da estirpe de Swift, mas nenhuma delas ousou (até agora) transformar a entrelinha em linha. Função dessa era do empoderamento a todo custo, do sofrimento por amor que aceita apenas a responsabilização mais superficial e inespecífica (“Sou eu, oi, o problema sou eu”).
É esse subtexto de vulnerabilidade que Carpenter arranca das sombras e traz para a luz, até pela literalidade divertida de algumas de suas composições. A melhor é “Juno”, que se apoia toda em uma fantasia sexual estigmatizada (se você conhece o filme de 2007 do qual a canção empresta o nome, eu não preciso dizer qual) para chutar o pau da barraca com tanta convicção que, quando chega a bridge, Carpenter está declarando abertamente: “Estou com tanto tesão, p*rra”. E tome solo de guitarra logo depois, por que… por quê não? É a vitória do pensamento intrusivo, o retorno de uma visceralidade quase ilícita que faz da música pop algo perigoso e interessante novamente, mesmo que por meros três minutos.
E tampouco é à toa que “Juno” se junte a algumas outras canções do disco, como o single “Taste” e a balançada “Good Graces”, em uma aproximação do R&B memético de outro tipo de popstar contemporâneo, talvez melhor encarnado em Ariana Grande. Em “Good Graces”, especialmente, Carpenter joga com a percussão noventista e um vocal que alterna entre falado e exibidamente melódico só para quebrar a seriedade com um pós-refrão em que os corais de “eu não vou me importar com você” são interrompidos por uma interjeição direto do estúdio: “Isso aí está legal!”.
Enfim, Short N’ Sweet parece olhar para a encruzilhada onde se encontra o gênero dentro do qual se localiza e apontar um possível caminho adiante - o que já é muito mais do que os contemporâneos de Carpenter andam fazendo. Parece que, nessa experiência da artista com uma mão cheia de produtores que definem o som do pop ocidental contemporâneo - inclusive Jack Antonoff, para o bem e para o mal o homem que tem guiado o caminho do mainstream com mais frequência nos últimos anos -, ela precisou lembrar a todos eles que a música pop deveria ser surpreendente, divertida, e subversiva.
Na história do pop, nenhuma inovação foi feita sem bom humor. O gênero, desde suas raízes, sempre foi muito sobre a arte de provocar e mover a cultura adiante pela simples virtude do “não acredito que ela realmente falou isso”. A cruz da popstar é entender que, depois do fato, todo mundo acaba chegando em um ponto no qual se sente grato por ela ter falado o que falou - afinal, se não ela, quem mais falaria?