A chuva que castigou o Autódromo de Interlagos por todo este sábado (2) resolveu dar uma trégua no exato momento em que Demi Lovato entrou no Palco Skyline, um pouco antes das nove da noite. Se já parece bruxaria, ouve mais essa: quando a chuva resolveu voltar, pouco mais de uma hora depois, Demi já estava cantando "Heart Attack", a primeira das duas canções do bis - a segunda foi "Cool for the Summer" -, e o público do The Town não poderia ter ligado menos.
É que, àquela altura, todo mundo que estava presente ali já tinha vivido um dos espetáculos de música ao vivo mais mágicos da memória recente. A chave para entender essa magia é uma só: Demi Lovato está em paz consigo mesma, e um artista em paz consigo mesmo é capaz de tudo.
Primeiro, um pouco de contexto. Em agosto do ano passado, este repórter que vos fala foi assistir à passagem de Demi Lovato por São Paulo com a turnê HOLY FVCK, um espetáculo de competência técnica acima da média e propósito artístico cristalino. Saí de lá com a impressão (e tentei expressá-la em texto) que este show era uma questão de sobrevivência para a artista, um processo essencial de trazer um passado doloroso à tona diante da nova luz de um presente mais livre. Como entretenimento, foi uma experiência fascinante e por vezes tocante, mas nunca eufórica ou relaxada. Havia uma tensão inerente ali.
No The Town, toda essa tensão sumiu. A Demi que voltou ao Brasil um ano depois da turnê HOLY FVCK é capaz de se relacionar com o seu catálogo com extraordinário bom humor, como mostram os gestos debochados ao entoar os versos adolescentes de "La La Land", e com um espírito transformador muito mais livre - de "Cool for the Summer" a "Neon Lights", passando por "Give Your Heart a Break" (que sempre foi uma das melhores da cantora, mas se converteu no inesperado auge da noite), as "versões rock" que Demi desfilou no The Town fazem desse transporte de melodias pop para as guitarras pesadas uma brincadeira deliciosa, e não uma obrigação sentimental.
E, no fim das contas, isso é tudo que importa. Eu poderia dizer, por exemplo, que a voz de Demi segue sendo um instrumento musical dos mais extraordinários, esbanjando versatilidade tanto quanto alcance arrepiante, mas a verdade é que o que é realmente especial sobre os vocais da artista é a forma como ela incorpora melismas soul por cima das guitarras de sua banda inteiramente feminina de hard rock. Ou seja, é a mesma coisa de novo: gêneros musicais e ideias se alinhando onde (os puristas diriam) não deveriam se alinhar, na anarquia criativa absoluta do artista que não mais se pergunta o que precisa fazer, mas sim o que pode fazer.
Pois eis um desejo para o futuro: que Demi Lovato continue fazendo o que bem entender.
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O The Town acontece nos dias 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro. Também se apresentam no festival nomes como Bruno Mars, Foo Fighters, Garbage, Joss Stone, Maroon 5, Jão e Ludmilla.