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Música

Entrevista

Pitty celebra 20 anos de Admirável Chip Novo em turnê: "Obra está viva no mundo"

A partir de abril, cantora faz série de shows que exaltam a atualidade de seu primeiro álbum

31.03.2023, às 06H00.

Pitty não costuma ser ligada em datas, mas os fãs não a deixam esquecer: lá se vão 20 anos desde que a cantora despontou no cenário nacional do rock com seu álbum de estreia, Admirável Chip Novo. A partir de abril, a data vai ser celebrada na estrada, com a turnê "ACNXX", que já tem shows agendados em São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná.

Aconteceu muita coisa, claro, quando a gente para olhar. Muita água passou por baixo dessa ponte e ainda há de passar. Mas eu também senti assim: ‘Caramba, 20, já?!’ (risos)”, conta ela, em entrevista ao Omelete. “Para mim, a turnê significa gratidão, uma comemoração mesmo, por ter conseguido viver de música por tanto tempo. Sou grata por isso e por todas as pessoas que fazem parte dessa trajetória, todos os fãs que estão aí desde sempre.

Lançado pela gravadora independente Deck (na época, Deckdisc), o trabalho emplacou hits como "Teto de Vidro", "Máscara" e "Equalize", além da faixa-título, e rendeu à artista um disco de platina (250 mil cópias vendidas) e o troféu de Revelação no Prêmio Multishow de Música Brasileira. Desde então, vieram outros quatro álbuns de estúdio, projetos paralelos como o duo Agridoce (com Martin Mendonça) e a consolidação de uma carreira de sucesso.

Tenho bastante orgulho de ele [o álbum] ter chegado até aqui bem, nesse tempo, nessa idade, sendo percebido de um jeito contemporâneo. É o famoso envelhecer bem, né? (risos) Teve um menino que me escreveu outro dia sobre alguma letra do disco: ‘Meu Deus, só agora entendi que tal parte falava sobre tal coisa’. Achei engraçado, é uma obra que as pessoas continuam descobrindo, ela não se encerrou ali. É bonito ver que ela tá viva no mundo”, diz ela, que recentemente foi uma das atrações do festival Lollapalooza.

Repertório na íntegra e surpresas

Compositora, cantora e instrumentista, Pitty também assina a direção do show, função que já vinha exercendo em suas turnês mais recentes, Matriz e PittyNando, essa ao lado de Nando Reis. Para a artista, que sobe ao palco acompanhada por Martin Mendonça (guitarra), Paulo Kishimoto (baixo) e Jean Dolabella (bateria), é importante pensar no que ela quer dizer visualmente com as canções.

É mais uma camada adicionada nesse tanto de coisas que eu gosto de fazer e de alguma forma já fazia, mas não sabia dar o nome. E, claro, sempre com uma equipe muito incrível, chamando pessoas pra construir esses universos comigo, mas é porque penso no show como uma história, com começo, meio e fim”, explica. “Fazer o roteiro, pensar em cada cor de cada música, que hora entra luz, que hora sai, faz parte de trazer a experiência do show pro público de uma forma mais imersiva, mais completa.

Dessa vez, Pitty quer trazer uma proposta mais focada na performance dos músicos do que em recursos tecnológicos.

A gente vive numa época extremamente imagética. Tudo é telão, tudo é LED, todo show que você vai é muito pontuado por pirotecnias e coisas desse tipo. É uma espécie de resgate da estética de como era quando você monta uma banda ou não tem muitos recursos. O que faz diferença ali é a música”, afirma. “A tecnologia é algo muito presente na nossa vida e, às vezes, também ocupa o lugar do humano. Muitos artistas nem precisam cantar, por exemplo, e hoje as pessoas já não ligam muito sobre o quanto daquele show é ao vivo ou não.

Ela promete apresentar as faixas do álbum com os arranjos originais e faz um certo suspense sobre outras adições ao repertório. “Tem alguns ‘lados B’ e versões que quem conhece desde o Admirável Vídeo Novo vai gostar de ver. A minha ideia é fazer um show do disco na íntegra, com essas surpresas e mais um adicional de bis para todo mundo cantar junto no final”, entrega.

Intuição e ‘marra’

Lançado em 2003, Admirável Chip Novo é um marco importante na trajetória de Pitty, que já tinha sido baterista no grupo de punk rock Shes e vocalista na banda de hardcore Inkoma no fim dos anos 90. A convite do produtor Rafael Ramos, deixou Salvador e rumou para o Rio de Janeiro disposta a preparar um álbum com identidade própria, que leva sua assinatura na composição das 11 faixas. E hoje, com toda sua experiência, a cantora garante que não faria nada diferente.

É um retrato daquela época, do que eu tava vivendo, do que eu tava sentido, da minha primeira experiência profissional dentro de um estúdio. Tudo que tá ali é fruto de intuição, de muita vontade, de muita garra, de muita criatividade ali, junto com os meus parceiros, de anos batalhando no underground pra conseguir gravar um disco e, talvez, as pessoas escutarem”, analisa.

Intuição essa que gerou alguns embates com a gravadora, que planejava lançar a balada "Equalize" como primeiro single. Mas, na época, a cantora bateu o pé e batalhou para que a música inicial de trabalho fosse "Máscara" - justo ela, que fala de autenticidade.

Hoje, com a maturidade, a gente consegue rir disso, ter leveza sobre essas situações, mas, sim, eu fico feliz de ter sido essa figura marrenta em vários aspectos (risos), de ter defendido pontos de vista que eram importantes pra mim. Na verdade, eu não tinha lastro nenhum pra defender aquilo, porque eu tava diante de pessoas que trabalhavam na indústria há muito tempo e tudo que eu tinha era a sensação de ‘é por aqui que tem que ser’”, lembra.

Temas como alienação, hipocrisia e pré-julgamento também atravessam essas canções, que, segundo Pitty, vêm sendo ressignificadas ao longo do tempo.

As letras parecem fazer até mais sentido hoje em alguns aspectos, em coisas que a gente discute em sociedade e sobre as quais o nosso pensamento crítico já está mais evoluído. A gente já tem mais debate sobre certos assuntos, como machismo, racismo, transfobia e todos os tipos de preconceito. Há 20 anos, esse debate não era tão amplificado. Eu tenho ensaiado pro show e canto cada uma dessas letras com muita propriedade, elas são pra ser ditas hoje também”, afirma.

Nada mal para um disco que teve seu título inspirado em Admirável Mundo Novo, um livro de ficção científica escrito pelo autor inglês Aldous Huxley, publicado originalmente em 1932 e que imagina uma sociedade nos anos 2500 sem consciência crítica sobre a realidade. Ou mesmo para um Brasil que recentemente viu a cultura ser fortemente atacada e a arte ser acusada de “se misturar à política”.

Política é tudo, é o nosso convívio em sociedade. Fazer política é não comprar em determinada loja porque você não concorda com alguma regra daquele estabelecimento. É escolher onde você coloca o seu dinheiro, é se manifestar em relação a determinados comportamentos que você considera inadequados, batalhar por melhores condições pra sua comunidade, pra seu filho, pra sua escola, pra tudo. Tudo isso é política e acaba indo nas canções, porque a gente está falando de gente, né? Somos seres políticos e tudo se permeia”, conclui.