Elize Matsunaga não é estranha às câmeras. Ela se tornou, afinal, uma das mulheres mais conhecidas do Brasil após ser presa, em 2012, pelo assassinato e esquartejamento do marido Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki. Mas só agora, nove anos depois, irá ao ar a primeira e única entrevista que ela aceitou dar sobre o caso.
A entrevista é peça central de Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, minissérie documental em quatro episódios que chega à Netflix nesta quinta-feira (8). Nela, Elize recorda o seu relacionamento com Marcos e a noite de seu crime, embora não consiga por em palavras o que a levou a atirar no marido.
Conseguir essa entrevista não foi uma tarefa fácil -- o processo de negociação com Elize durou anos, e a família de Marcos chegou a pedir na Justiça que ela fosse impedida de falar, alegando preocupação com a exposição da filha de ambos. Em maio de 2019, no entanto, a entrevista foi autorizada judicialmente.
Mas o trabalho não parou por aí, já que o documentário também se propôs a trazer as vozes de pessoas próximas a Marcos. “É um crime bárbaro, e a gente tem que tratar com a seriedade que ele merece”, diz a diretora Eliza Capai. Ao Omelete, a cineasta falou sobre os bastidores da produção e o trabalho para manter esse equilíbrio complexo.
Gravação na “saidinha” e equipe feminina
Já conhecida por seu trabalho em documentários como Severinas, Eliza se uniu ao projeto a convite de Gustavo Mello, produtor da Boutique Filmes. Ele e a jornalista investigativa Thaís Nunes já vinham, há anos, negociando com Elize, que cumpre sua pena de 16 anos no presídio de Tremembé, no interior de São Paulo.
A entrevista e as sequências que acompanham Elize fora da prisão foram gravadas em 2019, ao longo de duas “saidinhas” -- as saídas temporárias, em datas especiais, às quais têm direito os presos em regime semiaberto.
Mas o trabalho começou bem antes. “Eu e a fotógrafa Janice D’Avila fomos ao presídio e conversamos com ela, escutamos ela”, recorda Eliza. “Começou uma relação de confiança. Sempre que vou gravar alguém, é algo que precisa estar posto, independente de quem seja”.
Divulgação/Netflix
Eliza e a equipe chegaram a gravar algumas sequências com Elize no presídio e a acompanharam em uma saída antes da entrevista em si, que aconteceu ao longo de dois dias. “Eu me preparei como nunca havia me preparado para nenhuma outra entrevista”, diz a cineasta. Ela, Thaís Nunes e a roteirista Diana Golts fizeram “páginas de perguntas”. “Queríamos entender o caso de uma forma muito detalhada para entender a motivação dela para o crime, as dores e os arrependimentos dela”.
Parte da preparação da entrevista foi, também, selecionar uma equipe feminina para a gravação. “Eu pedi para que fosse assim, pensando muito que era o crime está diretamente relacionado a um gênero, que era uma pessoa que estava presa numa penitenciária feminina há oito anos”, explica. “Presenças masculinas poderiam gerar algum ruído para ela conseguir se abrir. Acho que a gente conseguiu, dentro do possível, criar um ambiente de confiança”.
Questionada sobre o que mais lhe marcou nos encontros com Elize, a diretora lembra a disposição dela em contar, pela primeira vez, seu lado da história. “Sinto que ela estava se preparando há muito tempo para dar uma entrevista”, diz.
“Eu senti muita abertura dela, para topar que a gente gravasse cenas íntimas: ela dentro de casa, ela cozinhando, ela tomando banho, ela encontrando a tia, encontrando, pela primeira vez em oito anos, a avó, que é uma pessoa muito importante na vida dela… A gente sentiu muita abertura dela para participar”.
O maior desafio
Desde o começo, a ideia era que Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime fosse um documentário plural, que trouxesse não só as vozes de Elize e de sua família, como também as vozes daqueles próximos a Marcos -- representados aqui por amigos e colegas, bem como pelos advogados da família Matsunaga.
Divulgação/Netflix
Mas isso não impediu Eliza de ser surpreendida pelo desafio de gravar com o melhor amigo de Marcos e outras pessoas próximas a ele. “Isso foi muito forte e me deu um senso de responsabilidade que eu nunca havia tido como diretora, de construir uma história tão complexa como esta e permitir que as pessoas se sentissem igualmente representadas, por mais que tenham pontos de vista opostos”.
Ao fim, a cineasta espera que o documentário possa provocar reflexões sobre a forma como mídia e sistema penal, de uma maneira ampla, tratam os crimes. “Temos que refletir se essa é a melhor forma [de lidar], se a gente visa uma sociedade mais harmônica e menos violenta”.