Dos 20 intérpretes indicados aos prêmios de atuação no Oscar 2024, somente três já têm uma estatueta em casa. Emma Stone (por La La Land: Cantando Estações), Robert De Niro (por O Poderoso Chefão II e Touro Indomável) e Jodie Foster (por Acusados e O Silêncio dos Inocentes) são os únicos da lista que já foram contemplados pela Academia no passado. Dos 17 restantes, nada menos do que dez receberam este ano a primeiríssima indicação ao Oscar de suas carreiras: Colman Domingo, Cillian Murphy, Jeffrey Wright, Lily Gladstone, Sandra Hüller, Sterling K. Brown, Emily Blunt, Danielle Brooks, America Ferrera e Da’Vine Joy Randolph nunca haviam sido lembrados pelos votantes.
Como dá para perceber só pelos nomes no parágrafo acima, nem sempre o ineditismo da lista de indicados depõe a favor da Academia. É emblemático o caso Jeffrey Wright, lembrado este ano por sua performance mordaz em American Fiction, onde interpreta um romancista negro cansado da hipocrisia da indústria. Bizarro pensar que o venerável ator estadunidense, de 58 anos de idade, ficou fora do Oscar por sua atuação antológica em Basquiat - Traços de uma Vida (1996), e ainda foi ignorado por papéis em filmes adorados pela Academia, como Ali (2001), Syriana (2005) e Tão Forte e Tão Perto (2011).
O motivo para esse reconhecimento tardio (e para a dominância de atores e atrizes não-brancos naquela lista de indicados novatos) não é nenhum segredo: o racismo sistêmico e conservadorismo institucional da indústria de Hollywood, e - consequentemente - dos votantes da Academia, que nos últimos anos tem realizado algum esforço para diversificar sua base de membros, o que sem dúvida elevou o trabalho desses profissionais. É bem simples: um grupo de votantes mais racialmente diverso, e mais jovem, admira e indica um grupo de artistas mais racialmente mais diverso, e mais jovem.
Até quando a questão não é racial, esse impulso de renovação é sentido. Colegas de Oppenheimer, Cillian Murphy e Emily Blunt chegam à lista de indicados ao Oscar após décadas de performances aclamadas por público e crítica, e algumas “batidas na trave” em anos anteriores (Blunt, especificamente, armou campanhas robustas por suas performances em Um Lugar Silencioso e Sicario, mas acabou ficando de fora da lista em ambos os anos). Tesouros nacionais dos EUA, os ainda não premiados Paul Giamatti (Os Rejeitados) e Annette Bening (NYAD) retornam para o Oscar após mais de uma década sem indicações - e Giamatti, inclusive, é o franco favorito para levar o prêmio de melhor ator.
Cillian Murphy e Emily Blunt em Oppenheimer (Reprodução)
E não falamos só de atores, viu? Na categoria de melhor direção, a ausência de nomes como Greta Gerwig (Barbie), Celine Song (Vidas Passadas) e Blitz Bazawule (A Cor Púrpura) voltou a acender a discussão sobre a dificuldade que as cineastas mulheres ainda enfrentam para entrar na lista do Oscar. Sem Song, Bazawule, Cord Jefferson (American Fiction) ou George C. Wolfe (Rustin), a categoria ficou também sem um cineasta não-branco. Mesmo assim, vale apontar que, entre os cinco indicados, somente o recordista de indicações Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores) já ganhou uma estatueta antes - em 2007, por Os Infiltrados.
De fato, o Oscar 2024 está bem posicionado para dar somente prêmios inéditos nas categorias principais. Christopher Nolan (Oppenheimer) é favorito para melhor direção, Giamatti e Murphy correm na frente em melhor ator, Robert Downey Jr. (Oppenheimer) deve levar melhor ator coadjuvante, e Da’Vine Joy Randolph (Os Rejeitados) provavelmente vai faturar melhor atriz coadjuvante. O “perigo” está só em melhor atriz, onde a já premiada Emma Stone (Pobres Criaturas) e a novata Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores) têm dividido os prêmios de “esquenta” para o Oscar.
De qualquer forma, a lista de indicados do Oscar 2024 reflete bem o período pelo qual a premiação tem passado nos últimos anos. O processo de acerto de contas com um passado negligente, para dizer o mínimo, aparece de forma emblemática na seleção de artistas cujo trabalho passou despercebido até agora. Já a busca por uma reflexão mais alinhada (para não dizer “justa”, adjetivo sempre espinhoso de se usar quando se trata de premiações) da inovação geracional que tem chacoalhado o status quo em Hollywood surge com timidez, atingindo um meio-termo que é frustrante por definição, de propósito.
Trabalhos radicais e transformadores muito raramente tiveram, têm ou terão espaço no Oscar. Esta é a natureza institucional da Academia, de sua busca por consenso diante de uma indústria que abarca gerações, etnias, nacionalidades, pensamentos diferentes. A desconexão ou conexão desta indústria com o mundo além dela é o que define a relevância do Oscar como entidade cultural, e observar a flutuação dela através do tempo é o que a premiação pode oferecer de mais fascinante para quem ama cinema.