Jeffrey Wright em cena de American Fiction (Reprodução)

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Para o bem e para o mal, 2024 é o ano dos “novatos” no Oscar

Maior parte dos indicados nunca ganhou uma estatueta - e nem sempre isso se reflete bem no passado da Academia

23.01.2024, às 13H25.

Dos 20 intérpretes indicados aos prêmios de atuação no Oscar 2024, somente três já têm uma estatueta em casa. Emma Stone (por La La Land: Cantando Estações), Robert De Niro (por O Poderoso Chefão II e Touro Indomável) e Jodie Foster (por Acusados e O Silêncio dos Inocentes) são os únicos da lista que já foram contemplados pela Academia no passado. Dos 17 restantes, nada menos do que dez receberam este ano a primeiríssima indicação ao Oscar de suas carreiras: Colman Domingo, Cillian Murphy, Jeffrey Wright, Lily Gladstone, Sandra Hüller, Sterling K. Brown, Emily Blunt, Danielle Brooks, America Ferrera e Da’Vine Joy Randolph nunca haviam sido lembrados pelos votantes.

Como dá para perceber só pelos nomes no parágrafo acima, nem sempre o ineditismo da lista de indicados depõe a favor da Academia. É emblemático o caso Jeffrey Wright, lembrado este ano por sua performance mordaz em American Fiction, onde interpreta um romancista negro cansado da hipocrisia da indústria. Bizarro pensar que o venerável ator estadunidense, de 58 anos de idade, ficou fora do Oscar por sua atuação antológica em Basquiat - Traços de uma Vida (1996), e ainda foi ignorado por papéis em filmes adorados pela Academia, como Ali (2001), Syriana (2005) e Tão Forte e Tão Perto (2011). 

O motivo para esse reconhecimento tardio (e para a dominância de atores e atrizes não-brancos naquela lista de indicados novatos) não é nenhum segredo: o racismo sistêmico e conservadorismo institucional da indústria de Hollywood, e - consequentemente - dos votantes da Academia, que nos últimos anos tem realizado algum esforço para diversificar sua base de membros, o que sem dúvida elevou o trabalho desses profissionais. É bem simples: um grupo de votantes mais racialmente diverso, e mais jovem, admira e indica um grupo de artistas mais racialmente mais diverso, e mais jovem.

Até quando a questão não é racial, esse impulso de renovação é sentido. Colegas de Oppenheimer, Cillian Murphy e Emily Blunt chegam à lista de indicados ao Oscar após décadas de performances aclamadas por público e crítica, e algumas “batidas na trave” em anos anteriores (Blunt, especificamente, armou campanhas robustas por suas performances em Um Lugar Silencioso e Sicario, mas acabou ficando de fora da lista em ambos os anos). Tesouros nacionais dos EUA, os ainda não premiados Paul Giamatti (Os Rejeitados) e Annette Bening (NYAD) retornam para o Oscar após mais de uma década sem indicações - e Giamatti, inclusive, é o franco favorito para levar o prêmio de melhor ator.

Cillian Murphy e Emily Blunt em Oppenheimer (Reprodução)

E não falamos só de atores, viu? Na categoria de melhor direção, a ausência de nomes como Greta Gerwig (Barbie), Celine Song (Vidas Passadas) e Blitz Bazawule (A Cor Púrpura) voltou a acender a discussão sobre a dificuldade que as cineastas mulheres ainda enfrentam para entrar na lista do Oscar. Sem Song, Bazawule, Cord Jefferson (American Fiction) ou George C. Wolfe (Rustin), a categoria ficou também sem um cineasta não-branco. Mesmo assim, vale apontar que, entre os cinco indicados, somente o recordista de indicações Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores) já ganhou uma estatueta antes - em 2007, por Os Infiltrados.

De fato, o Oscar 2024 está bem posicionado para dar somente prêmios inéditos nas categorias principais. Christopher Nolan (Oppenheimer) é favorito para melhor direção, Giamatti e Murphy correm na frente em melhor ator, Robert Downey Jr. (Oppenheimer) deve levar melhor ator coadjuvante, e Da’Vine Joy Randolph (Os Rejeitados) provavelmente vai faturar melhor atriz coadjuvante. O “perigo” está só em melhor atriz, onde a já premiada Emma Stone (Pobres Criaturas) e a novata Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores) têm dividido os prêmios de “esquenta” para o Oscar.

De qualquer forma, a lista de indicados do Oscar 2024 reflete bem o período pelo qual a premiação tem passado nos últimos anos. O processo de acerto de contas com um passado negligente, para dizer o mínimo, aparece de forma emblemática na seleção de artistas cujo trabalho passou despercebido até agora. Já a busca por uma reflexão mais alinhada (para não dizer “justa”, adjetivo sempre espinhoso de se usar quando se trata de premiações) da inovação geracional que tem chacoalhado o status quo em Hollywood surge com timidez, atingindo um meio-termo que é frustrante por definição, de propósito.

Trabalhos radicais e transformadores muito raramente tiveram, têm ou terão espaço no Oscar. Esta é a natureza institucional da Academia, de sua busca por consenso diante de uma indústria que abarca gerações, etnias, nacionalidades, pensamentos diferentes. A desconexão ou conexão desta indústria com o mundo além dela é o que define a relevância do Oscar como entidade cultural, e observar a flutuação dela através do tempo é o que a premiação pode oferecer de mais fascinante para quem ama cinema.