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Planeta Terra Festival 2011

Com Strokes, Beady Eye e Jacaré (!), festival carrega na nostalgia antecipada do que nem chegamos a viver

08.11.2011, às 13H25.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

Quem diria que Jacaré seria um dos grandes símbolos para explicar o que aconteceu no Planeta Terra deste ano? O dançarino, integrante do É o Tchan, subiu ao palco dos Garotas Suecas depois de ter sido viralizado como personagem especial de um videoclipe da banda paulistana, e ganhar uma aura cool como nunca viu desde os anos 1990, quando ainda rebolava ao lado de Carla Perez, para ojeriza de boa parte do público da banda (e do festival, pois sim).

Beady Eye - Liam Gallagher

Beady Eye - Liam Gallagher

Goldfrapp

Goldfrapp

Bombay Bicycle Club

Bombay Bicycle Club

The Strokes - Julian Casablancas

The Strokes - Julian Casablancas

É uma nostalgia antecipada do que não vivemos, por distância temporal ou bizarramente pela falta da mesma distância, que permeou toda a noite. Os Garotas, um dos grupos mais bacanas dessa última geração, faz parte do primeiro grupo: mimetiza (e moderniza) a suingueira de Erasmo Carlos, Wilson Simonal e amigos. Jacaré, por sua vez, aproveita a saudade distorcida dos anos 1990 para perverter os signos e se tornar figura adorada pelos indies - e por merecimento, dada sua aparente simpatia.

O mesmo acontece, só que ao contrário, com os dois headliners que polarizaram a maior parte da atenção no festival: The Strokes e Beady Eye - também conhecido como "o resto do Oasis", liderado por Liam Gallagher.

Este é reminiscência dos anos 1990, aquele é lembrança já nostálgica dos anos 2000. Ambos os grupos se apresentaram em "posição de revival", como se estivessem em turnês de retorno após 20 anos. Daí a nostalgia antecipada, para um cadáver que nem chegou a existir de verdade.

Os Strokes, por exemplo, ficaram quase quatro anos sem shows antes desta turnê, que começou no final de 2010, e teve sua última parada em São Paulo. A distância não fez mal ao grupo, que soou mais à vontade do que sua primeira passagem por aqui, em 2005, ainda no segundo álbum, Room on Fire.

A mesma distância que transforma em clássicos "NYC Cops", "Last Nite" e "Take It Or Leave It", mas também recupera boas faixas dos ábuns menores da banda, como "Juicebox" (do terceiro, First Impressions of Earth) e "Gratisfaction", do mais recente Angles, lançado há poucos meses.

Apesar da juventude ofegante na voz (e do corpo fora de forma sob a calça skinny, que assustou as menininhas à primeira olhada), Julian Casablancas ainda segura a onda como líder. E ainda declara seu amor ao baterista brasileiro Fabrizio Moretti, que se confundiu e mandou um "I love you" à plateia. Fofocas e dissidências à parte, parece ir tudo bem no planeta Strokes.

Já na metade do planeta Gallagher que cabe a Liam, depois que Noel largou o Oasis, a vibe é mais rabugenta. Forçado a se tornar banda de abertura da atração principal (e mais nova), este Gallagher carrega na falta de simpatia.

E aqui a nostalgia antecipada é mais forte ainda, para uma banda que trocou e acaba de lançar seu primeiro disco, Different Gear, Still Speeding. O fantasma do Oasis, que deixou de existir há dois anos, é forte - e atrapalha.

Não que o repertório seja ruim. Sem as rédeas do irmão, Liam se aplica na sua vontade bipolar entre Beatles e Rolling Stones em boas músicas como "Millionaire", "Bring the light" e "Roller". Agrada aos fãs, mesmo com toda sua panca de "vou cuspir na sua cara". Mas a plateia também provoca, fazendo um coro de "Wonderwall", hit da antiga banda, nos intervalos. Nostalgia, sacou?

Do outro lado

Nem só de Strokes e Beady Eye se fez o festival, que acertou na escalação cheia de pequenas bandas, como Gang Gang Dance, Toro Y Moi e Bombay Bicycle Club, esmagadas nos intervalos do line-up do palco principal.

O Interpol, ao lado da menorzinha White Lies, liderou o grupo das vozes graves, com o seu melhor show por estas plagas. Fator principal foi o palco aberto, que comporta melhor músicas grandiosas como "Narc", "Henrich" e "Success", do último disco.

Paul Banks e cia são o tipo de banda afiada tecnicamente, daquelas que não desafinam nem se aplicam em reinventar as gravações de estúdio. Mesmo caminho da inglesa White Lies, que já foi comparada ao Interpol, mas carrega também em Echo & The Bunnymen e até Tears For Fears.

De caras amarradas e camisas brancas impecáveis, os três mostraram um bom (e razoavelmente pesado) rock eletrônico - em faixas como "Bigger Than Us", "Holy Ghost" e "Death" - e se colocaram como uma das bandas ali a se prestar atenção, ao lado do Bombay Bicycle Club.

Sonhos velhos dos indies de plantão, Goldfrapp e Broken Social Scene entraram com a porção "saudade do começo dos anos 2000 que finalmente chegam por aqui". O coletivo canadense encheu o palco principal com uma boa performance para iniciados, dividindo-se entre vocais e instrumentos e com um bom reforço de metais - das dancinhas de "Texico Bitches" até a canção de protesto "Meet Me in the Basement".

Alison Goldfrapp, por outro lado, apareceu de cabelos e vestido de fitas ao vento, com seu repertório de synthpop que é bom de ouvir e bom de dançar - e com ela no palco, bom de assistir também. Pena que a moça se aplica no playback em faixas como "Happiness" e "Satin Chic", e que o espaço do palco indie, a cada ano que passa, fica menor para o público que atrai. Talvez seja nostalgia da época que os indies eram só meia dúzia, mas esse é um problema que vem para o bem.

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Fotos dos shows: Adri Felden, Marcos Issa, Paulo Freitas (Argosfoto)