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Crítica

Captain America: Sam Wilson #1 | Crítica

Marvel adota um sarcástico viés de esquerda na nova série

19.10.2015, às 15H01.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H34

Das séries que a Marvel lança com numeração zerada nos EUA a partir deste mês, sempre na tentativa de atrair mais leitores, Captain America: Sam Wilson é uma que faz o serviço direito em termos de recomeço. Há menções ao que aconteceu anteriormente nas HQs do Capitão América - desde que Steve Rogers envelheceu e passou o escudo para o Falcão no fim de 2014 - mas elas não prejudicam a experiência para quem está começando agora. O único porém, em relação ao público-alvo, é que a editora nesse caso não ficou em cima do muro: a série vai adotar um visível viés de esquerda.

Depois de conseguir aliados como Misty Knight (que aqui se posiciona mais como interesse amoroso do herói, numa subtrama de pegada blaxploitation) e ajudar a SHIELD a dizimar células da HYDRA pelo mundo, Wilson começa a série nova em desgraça, depois de ter rompido publicamente com a SHIELD e o governo dos EUA. Não demora muito, depois de dizer que atenderia diretamente a população - seja por mensagem de voz, vídeo ou post na rede -, até que ele ganhe o apelido de "Capitão Socialismo".

O roteiro de Nick Spencer transforma boa parte dos diálogos em oportunidade de comentário político. O que impede Captain America: Sam Wilson #1 de ser uma edição tediosamente panfletária é o humor, com frequência autodepreciativo. Wilson começa a edição dizendo que ama os Estados Unidos mas é um saco ter que passar o escudo do Capitão no raio-x dos aeroportos (uma eventualidade o força a pegar um voo comercial, e então Wilson experimenta o lado amargo de ser "do povo"), posa na parada gay ao lado de tipos à la Village People, e só não é uma tragédia completa junto à opinião pública porque a população continua amando seu mascote, Asa Vermelha.

O tom leve ganha contornos sarcásticos quando Spencer se volta para as queixas dos conservadores. Uma página inteira, quando o Capitão começa a receber as mensagens das pessoas, documenta só "white people problems" (a versão americana do "classe média sofre"), reclamando de vizinhos, parquímetros e séries de TV canceladas. Até que surge uma imigrante latina, pedindo socorro porque seu neto foi sequestrado pelos Filhos da Serpente. Usar o grupo mascarado do Universo Marvel para caricaturizar os extremistas americanos de direita é outra forma de manter a leveza da HQ, embora Spencer toque em temas graves do país hoje, como a xenofobia.

Não por acaso, a mídia conservadora já começa a criticar a HQ. No fim, ao abraçar a cisão que os EUA vivem hoje - como o ex-Falcão reconhece logo nas primeiras páginas - Captain America: Sam Wilson prepara o clima para o rompimento entre Wilson e Steve Rogers, gancho que fica no final da edição. A tendência à esquerda talvez fosse incontornável, no fim das contas, e não só para que Wilson finalmente ganhe alguma voz própria como o Capitão América, personagem politizado por natureza. O que surpreende é o volume dessa nova voz.

Nota do Crítico
Ótimo