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Enquanto Isso | A melhor CCXP de uns, a pior CCXP de outros

Mais: organização financeira, Aline Kominsky-Crumb e os 50 anos da Balão

09.12.2022, às 17H49.
Atualizada em 09.12.2022, ÀS 19H23

O cara estava vestido de Homem-Aranha com um quepe de marinheiro e Crocs. Andava com um carrinho para puxar a mochila e duas caixas de som JBL. Encontrou um casal com um mini-Homem-Aranha, de cinco ou seis anos: um Miranha. Cara-Aranha chamou Miranha e ligou as caixas, que tocaram “Domingo Abacaxi Flamingo”. Os dois Aranhas dançaram funk infantil no corredor da CCXP. “Do-dodo-dodo-domingo”.

Desde a primeira edição da CCXP, há oito anos, eu escrevo que o evento é descolado da realidade. Homens-Aranha dançando funk contribuem para a sensação, mas não é só isso. Os quatro dias não têm nada a ver com os outros 361 do meu ano.

 

São quatro dias em que eu esbarro com mais de metade das pessoas que só conheço por @. Que eu vejo filas pra tirar foto com celebridade que nunca tinha ouvido falar. Que fico calculando o orçamento daqueles miniprédios (minieventos dentro do evento) que são os estandes de marca grande. Que eu tomo café da manhã do lado do Jim Starlin e janto com os autores de Confinada.

Sim, eu tenho alguns privilégios como colaborador do Omelete. E, sim, eu não moro em São Paulo e fico bastante caipira na metrópole. Não sei o quanto da CCXP é São Paulo – vai que paulistano encontra Homem-Aranha dançando funk todo dia – e o quanto é só CCXP. Pra mim, é tudo irreal.

(Inclusive os preços. De qualquer coisa.)

Este ano, fui mais uma vez como convidado do evento. Mediei um bate-papo com Marcello Quintanilha e fiz um “mesacast” com Rogério de Campos e Alê Garcia.

Também escrevi: sobre a trajetória de Mayara & Annabelle, sobre a HQ-reportagem de Aimée de Jongh, sobre uma frase do Rafael Calça que está alugando triplex na minha cabeça (obrigado à Larissa Palmieri pela definição), sobre lançamentos da Panini e sobre a mesa redonda com chargistas. Antes de chegar no evento, fiz uma seleção de cinco quadrinhos do Artists’ Valley de autores dos quais eu nunca tinha ouvido falar.

Circulei quatro dias pelo Valley e tentei ser mais comedido nas compras. Acho que deu certo. No último dia minha mala fechou, o que foi sinal de que eu consegui. (Mas paguei excesso de bagagem.) Tive boas conversas sobre mercado e planos pro futuro, vi tretas se formando, quebrando e virando espuma e fui para-raios de reclamação, porque quadrinista adora reclamar. E com todo direito: eles estão ali trabalhando e eu não. Eu até estava, só que não, porque trabalho é realidade e aquilo ali não era.

A irrealidade tem hora marcada para acabar. No domingo, aí por umas 20h, sentei no chão do Valley e assisti ao pessoal desmontando mesas, tirando as últimas fotos, distribuindo prints e quadrinhos que sobraram para os amigos das outras mesas. Para alguns foi ótimo, para alguns foi o esperado, para outros foi ruim (ver abaixo). Todos estavam cansados.

Também foi no domingo que vi Homem-Aranha de quepe e Miranha dançando. Foi só um trecho de “Domingo Abacaxi Flamingo”, coisa de um minuto. Eles terminaram, deram um high-five duplo e a plateia que tinha parado para assistir aplaudiu. Cada Aranha seguiu para seu lado no corredor e um nunca mais viu o outro.

“FAÇO PARTE DA TURMA QUE FICA COM VERGONHA POR NÃO TER VENDIDO CINCO MIL REAIS”

“Esse assunto é tabu pra muita gente”, me disse Anna Marie LeBeau (o nome é fictício). “Mas espero que dê certo, porque é SUPER relevante pro meio.”

LeBeau estava falando da enquete que abri nas minhas redes esta semana. Que foi informal, anônima, participava quem quisesse e que não vou chamar de “pesquisa”. Eu perguntei:

Você, quadrinista que esteve na CCXP e que fez As Contas:

- Quantos quadrinhos você vendeu?

- Quanto tirou em R$?

- Foi muito ou pouco comparado a outros eventos (e outras CCXP)?

Trinta e seis pessoas me responderam em mensagens privadas. Prometi anonimato. A ideia não era divulgar ganhos de ninguém em específico, mas tirar médias, impressões em comum, constantes.

Não é um levantamento científico e acho que uma pesquisa de verdade dependeria de amostragem maior entre os 500 quadrinistas do Artists’ Valley. Foi uma enquete informal, qualitativa. Talvez dê para chamar de história oral do Valley da CCXP22, focada na questão grana.

Como prometido, não vou dar o nome de ninguém. Atribui nomes de X-Men a cada entrevistado e entrevistada, só para você saber quando a mesma pessoa é citada mais de uma vez. Também porque eles são um bando de mutantes de todas as cores e poderes.

Quanto vendeu e quanto faturou, em média, um quadrinista do Artists’ Valley entre os 36 que me responderam? Em média, por volta de 220 quadrinhos e aproximadamente R$ 16.500.

Mas isso é uma média. Médias enganam. Se eu e você estivéssemos na mesma sala que Jeff Bezos e Elon Musk, em média aquela sala só teria multibilionários.

O Valley tem seus pontos fora da curva. Ororo Munroe me declarou que ganhou “25k por dia”, ou R$ 100 mil. Munroe é a Jeff Bezos da galera que me respondeu. Os valores que chegaram mais perto do dela foram R$ 58 mil, de Kurt Wagner, e R$ 53 mil, do Bob Drake.

De outro lado, três pessoas me declararam faturamento por volta dos R$ 3 mil e uma, Hank McCoy, disse que faturou exatamente R$ 800.

Se eu pegar a mediana dos números que os 36 entrevistados me declararam, o número de quadrinhos vendidos fica quase o mesmo, 213, e o faturamento dá quase metade da média: R$ 8,5 mil. Talvez esteja mais perto da realidade de muitos.

Faturamento é igual a arrecadação bruta. Em alguns casos, perguntei quanto tinham sido os gastos e tentei chegar a uma estimativa de lucro. Além das horas de trabalho e de todo o preparo para estar lá, ninguém chegou e passou quatro dias no Valley de graça.

Aí tem vários fatores que afetam a conta: você teve que pagar passagens e estadia ou mora em São Paulo? Você imprimiu seus quadrinhos ou comprou da editora? Você pagou mesa? Você era convidado do evento? Você contratou assistentes?

Kurt Wagner, o mesmo que declarou R$ 58 mil em faturamento, investiu R$ 30 mil para estar lá – entre passagens, estadia, assistentes, gráfica. Poucos gastaram menos do que o dobro do aluguel da mesa (R$ 1 mil). Cinco pessoas me declararam que faturamento e gastos ficaram empatados. Duas me falaram em prejuízo.

“Nosso custo total de viagem, hospedagem, mesa, álbum, impressão e alimentação ficou por volta de R$ 4.500”, disse Shiro Yoshida, que dividiu a mesa com uma colega de estúdio. “Tivemos pouco menos de mil de preju. Em 2019, tínhamos tido R$ 1800 de lucro.”

“A julgar pelos dois anos de abstenção, acredito que não só eu, mas todo mundo esperava sair de lá milionário”, me disse Scott Summers. “Não foi o caso.”

“CCXP sempre significou décimo-terceiro, décimo-quarto salário”, me disse Jean Grey. “Esta foi minha pior em vendas. Participo desde a primeira edição e nunca vendi tão pouco. De forma geral, foi um baque.”

Houve exceções: “Rendeu mais do que o dobro do esperado”, me disse, por exemplo, Ororo Munroe. Mas foram exatamente três exceções. Fora estes três, todos os respondentes disseram que o faturamento na CCXP ficou abaixo do esperado.

Crise econômica provavelmente foi o fator de maior impacto: como percebe qualquer pessoa que vai ao supermercado, o poder de compra dos nossos suados reais diminuiu e os preços assustam.

“O gibi indie de R$ 15 está por R$ 25”, continuou Jean Grey. Foi a minha percepção também. No caso dos quadrinhos em formato livro, com lombada quadrada, era difícil encontrar algum por menos de R$ 50 (também era difícil almoçar por menos de R$ 50 na CCXP) – os mesmos que custavam entre R$ 30 e R$ 40 em 2019. Era fácil encontrar quadrinhos por mais de R$ 100.

“Muitas pessoas pesquisavam bem mais os valores dos produtos antes de decidir comprar algo”, disse James Howlett. “Senti que quem comprou meu material foi menos no impulso. Tirava foto da mesa, depois voltava quando já tinha decidido o que levar.”

Há opiniões variadas no debate entre vender quadrinhos e vender prints, bottons, pins, adesivos, ecobags e todos os outros badulaques nas mesas.

Há quem sugira que o Valley deveria ser só dos quadrinhos. Ainda me incomoda um pouco levar meus quadrinhos, supostamente o foco do Valley”, disse Sam Guthrie, “e competir com prints de Dragon Ball e Homem-Aranha. Penso se já não é hora de separar quem vende HQ de quem está vendendo outra coisa.”

Há quem leve as duas coisas - quadrinhos e badulaques. A maioria diz que vende mais os quadrinhos. Mas há quem venda mais badulaques. “Eu nunca vendi mais do que 50 quadrinhos numa CCXP”, disse Rahne Sinclair“O que sai na minha mesa são outras coisas, especialmente pins e cartelas de adesivos.”

Outros dizem que a opção anfíbia – quadrinhos + badulaques – ajuda a equilibrar as contas.

“Prints ajudam DEMAIS no evento”, disse Piotr Nikolaievitch Rasputin. “Esse ano eu vendi bem menos do que o esperado e ainda assim, só essa fatia dos produtos pagou todo meu investimento.”

“O que pagou as despesas e deu um pouco de lucro foram os prints e miudezas”, me declarou Warren Worthington III. “O público da CCXP chega na minha mesa por esses itens e depois consigo, na conversa, ir mostrando o que realmente interessa, que são os livros e gibis.”

“Vendi prints, mas levei poucos porque queria investir na venda dos quadrinhos”, disse Lucas Bishop“Certeza que, se eu tivesse levado mais prints, teria vendido bem mais e superado os quadrinhos.”

Tem peso aí o fato dos badulaques geralmente custarem menos do que os quadrinhos.

“Percebi que muitas pessoas levaram bottons e ímãs porque queriam levar algo meu, mas não podiam gastar muito”, disse Jamie Madrox. “Isso aconteceu mais nesse ano do que nos outros.”

Outro ponto que gera discussões acaloradas é o Álbum de Figurinhas Artists’ Valley CCXP22. A iniciativa já havia acontecido em 2019 e a intenção é fazer os visitantes da CCXP passarem por todas as mesas para pegar a figurinha gratuita do ou da artista participante até completar o álbum. E idealmente, se interessar por conhecer mais da mesa e do ou da artista.

Cumpriu a função para alguns. Para outros, foi um incômodo.

O álbum “tumultuou bastante o Valley”, disse Lorna Dane. “Ninguém aguentava mais ouvir ‘tem figurinha?’. Pessoalmente, serviu pra mim. Sem ele, menos gente teria encostado na mesa. Mas acho que preferia o evento sem ele.”

“O álbum de figurinhas matou algumas vendas”, disse Alex Summers, “principalmente do público que ainda não me conhecia. A pessoa se encantava, mas já estava levando uma arte minha em formato de figurinha, de graça. Muitas pessoas FALARAM isso pra mim: ‘o álbum é fantástico, posso levar a arte de um monte de gente e só comprei o álbum’.”

Outros pontos de reclamação dos artistas foram o barulho – “fiquei em frente ao Mercado Livre e quando rolava ativação era certeza que perderia venda; artista independente depende de lábia pra vender”, disse o segundo irmão Summers –, o espaço apertado atrás das mesas a falta de bebedouros.

De outro lado, foi elogiada a decisão da organização de providenciar um banheiro específico para quem tinha mesa no Valley, conforme uma demanda que surgiu na CCXP passada.

A CCXP e a participação no Artists’ Valley não se contabiliza só em vendas. É uma oportunidade de ter este contato com o público, muitas vezes emocional. Para outras funções profissionais também:

“É onde todo mundo vai estar”, disse Remy LeBeau. “Tive uma boa aproximação com editores por causa do evento (embora não dentro do evento), talvez melhor do que em anos anteriores. MUITOS leitores lembraram de mim de outros eventos e isso é bem legal.”

“A métrica de vendas pra medir o sucesso da participação no Valley é cruel e limitante”, declarou Douglas Ramsey. “Não se considera o espaço para conversar com colegas artistas, editoras, produtoras etc. Talvez uma possibilidade de contrato com editora ou expansão de nossas criações para outras mídias possam ser mais vantajosos, a longo prazo, do que a venda direta.”

“Vendi uns R$ 1.500 em quadrinhos, o que para os padrões da CCXP é muito pouco”, me disse Lucas Bishop. “Mas também tem o fato de eu ser um péssimo vendedor. Porém, eu percebo que muita gente que vende pouco tem vergonha de contar que vendeu pouco e acaba alimentando a ideia de que todo mundo sai rico da CCXP quando, na verdade, não é bem assim.”

Foi ele que deu o subtítulo lá em cima:

“Tudo que falei sobre minhas vendas é em off, ok? Faço parte da turma que fica com vergonha por não ter vendido cinco mil reais.”

Das 36 pessoas que me responderam, dez ficaram com faturamento abaixo dos R$ 5 mil. Se contar os que tiveram lucro abaixo dos R$ 5 mil, foram metade dos respondentes.

O Artists’ Valley está longe, bem longe de ser uma sociedade igualitária. É algo que se percebe durante o evento: tem mesas com filas constantes, ininterruptas, durante os quatro dias. São os rockstars. Segundo os números que eu recolhi, o faturamento dos rockstars pode ser de quarenta a cem vezes o de uma mesa do lado.

Mas se percebe outra coisa nas respostas – e próprio no evento: as filas da mesma mesa variam de ano para ano. Quem não é rockstar este ano pode ser no próximo. E vice-versa. A CCXP de qualquer ano sempre será a pior de muitos e a melhor de alguns. Você nunca sabe de que lado vai estar.

Muita gente não deu bola para as contas. Vários dos que me responderam, inclusive, tinham só estimativas e nenhum valor concreto. O interesse para eles é outro. Quando abri a conversa para que cada um falasse qualquer opinião sobre o evento, o emocional soou mais que o profissional.

“Uma garota que não conhecia meu trabalho abriu meu livro, leu duas páginas e começou a chorar ali mesmo”, me contou Kitty Pryde.

“Me pegou muito o menino adolescente, uns 14 anos, trans, que em um dia comprou o volume 1, no dia seguinte voltou com o pai para comprar o volume 2 e, naquele mesmo dia, voltou na minha mesa, contou que tinha lido o livro todo durante o evento mesmo e me presenteou com um desenho do personagem que fez num pedacinho de papel”, contou Sean Cassidy. “Não sou famoso e sei que meu trabalho tem um alcance limitado, então quando rola isso é uma validação muito importante. Me comove de verdade.”

“Colou em minha mesa um rapaz que me confidenciou que há um tempo estava passando por um momento bem conturbado na vida e [meu quadrinho] o fez sair daquele lugar”, disse Scott Summers. “Ele passou lá só para me agradecer em pessoa.”

E completou: “É pra isso que a gente cria, né?”

“PRECISAMOS FALAR SOBRE ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA”

Muito do que está aí em cima foi influenciado por um fio de twitter que a quadrinista Cora Ottoni lançou na segunda-feira. “PRECISAMOS FALAR SOBRE ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA PARA QUADRINISTAS”, ela escreveu em caps antes de contar como fez seu cálculo de ganhos e gastos – detalhadamente, incluindo impostos, transporte, alimentação, taxas de cartão – na CCXP.

Ottoni, autora de Corenstein, Os Zeladores do Tempo e da Graphic MSP: Denise, contou que pediu demissão de seu emprego este ano para se dedicar aos quadrinhos. Em parte por conta disso, resolveu organizar as finanças para controlar a carreira de HQ.

“Minha margem de lucro foi boa, mas eu esperava bem mais”, ela escreveu a respeito da CCXP22. “Ajustes serão feitos para que nas próximas feiras tudo seja mais viável”.

Ottoni já havia distribuído suas planilhas para algumas colegas antes do evento – algumas lhe agradecem nas respostas ao tuíte, dizendo que ajudou muito na organização durante a CCXP. Ela se diz disposta a compartilhar a planilhas a quem entrar em contato.

“Vejo muitos outros artistas que tem as feiras como parte do orçamento, mas têm muito pouco planejamento e organização financeira”, seguiu a autora. “Não adianta a gente querer ter isso como profissão se não formos realistas com o nosso caixa.”

ALINE

Aline Kominsky-Crumb faleceu no primeiro dia do CCXP – ou na véspera, segundo informações desencontradas – o que apagou a pauta na mídia especializada brasileira. Foi uma indignidade. Kominsky é mais uma das figuras importantes do quadrinho underground dos EUA que se vai. Ela tinha 74 anos.

(É um grupo que está sumindo com velocidade cada vez maior: Skip Williamson faleceu em 2017, Spain Rodriguez no ano passado, Diane Noomin agora em setembro…)

Aline é mais conhecida como a mulher de Robert Crumb, mas começou a fazer quadrinhos antes de conhecer Crumb. Fez parte do coletivo Wimmen’s Comix, que lançou várias autoras contestando o chauvinismo da época – e mostrando que o underground não ia repetir o machismo do mercado convencional.

Ela teve a´lbuns solo, inclusive um publicado no Brasil. Hoje esgotado, Essa Bunch É Um Amor (Conrad, 2011, trad. Daniel Pellizzari) tinha histórias autobiográficas no traço que a própria Kominsky declarava feio e inconstante.

“Se estou de bom humor, eu me desenho melhor; se estou de mau humor, me desenho mais feia. Mudo meu cabelo, meu peso. Considero cada desenho um desenho, não penso no sentido de arte sequencial, expressão comercial, de o público acompanhar”, ela disse numa longa entrevista a Raquel Cozer quando esteve no Brasil para a FLIP, em 2010.

O outro trabalho de Kominsky publicado no Brasil é uma coleção de colaborações com Crumb, Desenhados Um Para o Outro (Quadrinhos na Cia., 2018). A tradução é minha e sofri com a grafia periclitante da senhora Crumb – enquanto o marido, apesar da fama, escreve e desenha como um quadradão, ao modo clássico.

Vale a pena ler o obituário de Aline Kominsky-Crumb que o escritor Rafael Senra publicou no Facebook. Além de Crumb, que ainda não se manifestou, ela deixa a filha Sophie Crumb, também quadrinista.

“TUDO QUE ESTÁ AÍ FORA COMEÇOU COM ISSO”

É comum eu encontrar gente que nem sabe que a CCXP tem uma programação de “painéis” (odeio a tradução, mas chamar de “palestra” é muito engravatado). Tem até quem sabe que existe, mas, com tanta coisa para se ver no piso principal, nem consegue chegar nos auditórios do piso superior. Que este ano, aliás, foi só um auditório, o Ultra.

Foi lá que, no último dia e nas últimas horas de CCXP, assisti ao painel que deve ter sido o menos prestigiado do evento. Injustamente. Luiz Gê conversava com Marcelo Alencar sobre os 50 anos da revista Balão para uma plateia de 20 ou 30 pessoas.

Laerte devia estar lá, mas pegou Covid antes da CCXP. Ela, Gê e os irmãos Paulo Caruso e Chico Caruso são os principais nomes que surgiram na Balão, uma das primeiras antologias da HQ brasileira e que lançou o primeiro número em novembro de 1972.

“Quem desenha sabe que desenhar é uma coisa individual e que é difícil conhecer outro que desenhe”, declarou Luiz Gê. Ele tinha 21 anos quando começaram as reuniões na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Foi dessas reuniões – “de discutir as questões, trazer material para analisar, levar críticas para você personalizar o seu trabalho” – que surgiu a Balão.

A revista não era distribuída em bancas. Circulava de mão em mão, aparecia em eventos da universidade e de colégios, ia para livrarias parceiras. Era época da ditadura, com o AI-5 vigente. Existia medo justificado de fazer qualquer publicação – ainda mais um gibi underground de um bando de estudantes.

A edição 8 – a mesma em que Angeli começou carreira – dizia na capa: “Uma revista contra os bandidões da HQ”. Marcelo Alencar fez a pergunta que ele tinha desde 1975: quem eram os bandidões?

“Era o pessoal que não dava espaço para o quadrinho brasileiro nem que a vaca tussisse”, disse Luiz Gê. “Muitos construíram impérios, como a Abril, e nunca foram capazes de editar quadrinho brasileiro. Isso perdurou muito tempo no Brasil.”

O autor e editor disse que só viu a situação mudar nos últimos quinze anos. “Quando veio o PNBE e o governo Lula comprando quadrinhos, as editoras se eriçaram”, ele resumiu.

Mas uma das raízes, “a primeira publicaçao com um número expressivo de cartunistas que saiu para o mercado”, como se definiu a Balão, estava ali no início dos anos 1970. “Tudo que está aí fora”, disse Gê, se referindo ao Artists’ Valley, “começou com isso”, apontando para a revista.

Diante das vinte e poucas pessoas que assistiam ao painel – um momento de realidade na HQ brasileira –, Marcelo Alencar se despediu: “Nos vemos daqui a cinquenta anos para comemorar o centenário da Balão!

 

(o)

Sobre o autor

Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato. Também é autor dos livros Balões de Pensamento – textos para pensar quadrinhos e Balões de Pensamento 2 – ideias que vêm dos quadrinhos.

Sobre a coluna

Toda sexta-feira (ou quase toda), virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.

#98 – Os prêmios e os quadrinhos que vão valer em 2047

#97 – Art Spiegelman, notável

#96 – O mundo quer HQ brasileira

#95 – A semana do Brasil e do quadrinho brasileiro

#94 – Todo fim de ano um engarrafatarse

#93 – Um almoço, o jornalismo-esgoto e Kim Jung-Gi

#92 – A semana mais bagunçada da nossa história

#91 – Ricardo Leite em busca do tempo

#90 – Acting Class, a graphic novel queridinha do ano

#89 – Não gostei de Sandman, quero segunda temporada

#88 – O novo selo Poseidon e o Comicsgate

#87 – O mundo pós-FIQ: você tinha que estar lá

#86 – Quinze lançamentos no FIQ 2022

#85 – O Eisner 2022, histórico para o Brasil

#84 – Quem vem primeiro: o roteirista ou o desenhista?

#83 – Qual brasileiro vai ao Eisner?

#82 – Dois quadrinhos franceses sobre a música brasileira

#81 – Pronomes neutros e o que se aprende com os quadrinhos

#80 – Retomando aquele assunto

#79 – O quadrinista brasileiro mais vendido dos EUA

#78 – Narrativistas e grafistas

#77 – George Pérez, passionate

#76 – A menina-robô que não era robô nem menina

#75 – Moore vs. Morrison nos livros de verdade

#74 – Os autores-problema e suas adaptações problemáticas

#73 – Toda editora terá seu Zidrou

#72 – A JBC é uma ponte

#71 – Da Cidade Submersa para outras cidades

#70 – A Comix 2000 embaixo do monitor

#69 – Três mulheres, uma Angoulême e a década feminina

#68 – Quem foi Miguel Gallardo?

#67 – Gidalti Jr. sobre os ombros de gigantes

#66 – Mais um ano lendo gibi

#65 – A notícia do ano é

#64 – Quando você paga pelo que pode ler de graça?

#63 – Como se lê quadrinhos da Marvel?

#62 – Temporada dos prêmios

#61 – O futuro da sua coleção é uma gibiteca

#60 – Vai faltar papel pro gibi?

#59 - A editora que vai publicar Apesar de Tudo, apesar de tudo

#58 - Os quadrinhos da Brasa e para que serve um editor

#57 - Você vs. a Marvel

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#55 – Marvel e DC cringeando

#54 – Nunca tivemos tanto quadrinho no Brasil? Tivemos mais.

#53 - Flavio Colin e os quadrinhos como sacerdócio

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#48 - Robson Rocha, um condado, risografia e Cão Raivoso

#47 - A revolução dos quadrinhos em 1990

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#45 - Eisner não é Oscar

#44 - A fazendinha Guará

#43 - Kentaro Miura, o karôshi e a privacidade

#42 - A maratona de Alison Bechdel, Laerte esgotada, crocodilos

#41 - Os quadrinhos são fazendinhas

#40 - Webtoons, os quadrinhos mais lidos do mundo

#39 - Como escolher o que comprar

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#32 - Biografia de Stan Lee tem publicação garantida no Brasil

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#26 - Brasileiros em 2021 e a Marvel no Capitólio

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#22 - Lombadeiros, lombadeiras e o lombadeirismo

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#16 - Graphic novel é só um rótulo marketeiro?

#15 - A volta da HQ argentina ao Brasil

#14 - Alan Moore brabo e as biografias de Stan Lee

#13 - Cuidado com o Omnibus

#12 - Crise criativa ou crise no bolo?

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#10 - Mais um fim para o comic book

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#7 - Violência policial nas HQs

#6 - Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje

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#3 - Saquinho e álcool gel: como manter as HQs em dia nos tempos do corona

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(c) Érico Assis