Hoje é 3 de janeiro, o que significa que neste dia, em 1892, nasceu John Ronald Reuel Tolkien. Em meio a edições comemorativas e livros inéditos, Tolkien segue sendo celebrado como um dos autores mais influentes dentro da literatura mítica moderna. E não é para menos. O garoto nascido em Blumefontaina, na África do Sul e que gostava de inventar novas línguas mudou para sempre o gênero da fantasia ao criar a Terra-Média um mundo complexo e de grande riqueza cultural, linguística e mitológica.
No entanto, o sucesso de O Senhor dos Anéis demorou para acontecer. É estranho pensar nisso hoje em dia, ainda mais após a conquista de uma nova audiência com as adaptações de Peter Jackson para o cinema, mas, uma breve análise da trajetória comercial do livro evidencia que o sucesso global veio muito tarde. Tolkien já passava dos sessenta anos quando O Senhor dos Anéis fez dele um autor best-seller. Apesar do imediato sucesso no Reino Unido, foram necessários dez anos para que editora comprasse os direitos de publicação nos Estados Unidos, em uma história cercada de curiosidades e determinante para a transformação de O Senhor dos Anéis em um fenômeno mundial.
Em 21 de setembro de 1937, Tolkien publicou O Hobbit e imediatamente o trabalho foi bem recebido por crítica e público, com a tiragem de 3.500 exemplares se esgotando de forma rápida. Apenas um mês depois do lançamento, Tolkien e seus editores começaram a conversar sobre uma sequência. O autor então ofereceu à editora O Silmarillion, mas este projeto foi recusado pelos executivos, que estavam buscado um livro no mesmo tom do O Hobbit. Tolkien percebeu então que o ponto de partida seria o anel recuperado por Bilbo na caverna de Gollum. A história cresceu e o primeiro volume de O Senhor dos Anéis foi publicado na Inglaterra no verão de 1954, quase 16 anos depois de Tolkien ter iniciado o trabalho.
Os três volumes foram publicados entre 54 e 55 na Inglaterra pela Allen & Unwin e importados para o Estados Unidos pela Houghton Mifflin. No início de 1964, Donald Wollhein, funcionário da Ace Books, editora conhecida por publicações em formatos populares e de menor custo, começou a observar o sucesso do O Senhor dos Aneis entre os universitários norte-americanos, especialmente na Califórnia. Empolgado com o potencial da obra, Wollhein ligou para Tolkien e perguntou se o professor autorizaria a publicação da trilogia em paperbacks. A resposta foi curta e grossa: “Nunca permitirei que meus grandes trabalhos sejam lançados em um formato tão degenerado como paperback”.
Obstinado, Wollhein então pesquisou a situação contratual das obras de Tolkien nos Estados Unidos e descobriu um furo de copyright no contrato com a editora que importava a obra para a América. Se aproveitando da confusa política de copyright nos EUA da época, a Ace publicou em junho de 1965 as edições “degeneradas”, que logo caíram no gosto popular. Pressionado pela editora, Tolkien se viu obrigado a completar uma série de revisões na qual já vinha trabalhando, para que sua editora americana pudesse lançar novas edições tanto de O Senhor dos Anéis quanto de O Hobbit. Vendo o aproveitamento da trilogia da Ace nas vendas, a Houghton & Mifflin decidiu lançar uma versão original sem revisões do autor em uma edição sem muitos atrativos, o que rendeu críticas do próprio Tolkien.
Ainda que as edições da Ballantine viessem com uma declaração de autorização de publicação do autor, a Ace Books vendia os livros com um preço mais barato ($ 0.75 contra $ 0.95 da Ballantine) e capas mais atraentes. Em suas respostas às cartas de fãs norte-americanos, Tolkien contava sobre o aborrecimento que sentia em relação à confusão editorial. O boca-a-boca entre os fãs cresceu com uma velocidade impressionante e, em poucos meses, o imbróglio chegou à imprensa nacional, intrigando pessoas que nunca haviam lido O Senhor dos Aneis a procurar o volume nas livrarias. Durante o ano de 1965, 100 mil exemplares da edição da Ace haviam sido vendidos. Em seis meses do mesmo ano, a edição da Ballantine alcançou a marca de um milhão de exemplares vendidos.
A pressão excercida por grupos de fãs das obras do autor mostrava um pouco das proporções que Tolkien começava a adquirir dentro da cultura popular da época. A publicidade e o envolvimento dos leitores na briga editorial entre a Ace Books e a Ballantine, aliados à significativa marca de um milhão de exemplares vendidos, provocaram o surgimento de um certo culto sobre o autor, que caiu nas graças da juventude norte-americana e encontrou ecos dentro do movimento hippie. Rapidamente, Tolkien se viu no meio de um furacão midiático, sendo transformado em uma espécie de guru e pavimentando seu caminho para se tornar a principal referência dentro da literatura fantástica, praticamente um sinônimo do gênero.
Próximo da aposentadoria e ansioso para dedicar o tempo livre na edição de outros projetos, principalmente O Silmarillion, livro que passou quase quarenta anos escrevendo, J.R.R Tolkien não aproveitou totalmente o sucesso de O Senhor dos Aneis. De personalidade forte, não gostou de ter se tornado uma figura cultuada, não entendendo o porquê das pessoas se interessarem tanto por sua rotina, hábitos ou vida privada. Para Tolkien, só a obra importava. 126 anos depois de seu nascimento, podemos afirmar com segurança de que ele estava certo.