Música

Rock In Rio 2022: Dia do Metal é ofuscado pelo pop e pode ter os dias contados

Data comandada por Iron Maiden teve sua pior procura dos últimos anos e esgotou ingressos só depois de uma semana

26.08.2022, às 16H10.
Atualizada em 26.08.2022, ÀS 16H22

Texto por: Gabriela Marqueti

Em sua primeira edição desde 2019, o Rock In Rio 2022 surpreendeu os fãs de música pesada ao anunciar que os ingressos para o Dia do Metal tinham sido os últimos a esgotar - tanto na venda geral quanto na venda extraordinária. A notícia veio como um baque, especialmente porque em sua edição anterior o Dia do Metal foi o primeiro a vender todos os ingressos e trazendo o mesmo headliner de 2022 - Iron Maiden.

Muito já foi especulado sobre a causa da demora na venda das entradas. No episódio #345, o podcast do Wikimetal discutiu uma série de possíveis razões, que vão desde uma certa repetitividade de atrações até a passagem das bandas por outras cidades do Brasil, o que tiraria um pouco do foco do Rio de Janeiro. A todas essas respostas pode se somar também outra um pouco mais simples: a música pesada está competindo com a música pop.

As atrações pop começaram a receber maior destaque no Rock In Rio a partir de 2001, quando o festival trouxe nomes gigantes como N’sync e Britney Spears para a chamada “noite teen”. Essa edição foi marcada também por um grande boicote de bandas nacionais promovido por O Rappa, Cidade Negra, Raimundos, Charlie Brown Jr., Skank e Jota Quest. Os artistas alegavam más condições de estrutura e pagamento. Na época, foi apurado pelo G1 que teria sido oferecido um cachê de 20 mil a cada uma dessas atrações, enquanto Sandy & Junior, por exemplo - um dos maiores nomes do pop da época - teria recebido 100 mil.

Em entrevista para o G1 em 2019, a produtora do Rock In Rio, Roberta Medina, apontou a edição de 2001 como um ponto de virada para o evento investir em um novo público e um novo formato. Com a grande quantidade de jovens atraída pela “noite teen”, a organização do evento enxergou uma oportunidade de transformar o Rock In Rio em um festival atraente para além da música, não só abrindo mais espaço para os artistas que fazem sucesso com o público adolescente, como também implementando atrações na Cidade do Rock como roda gigante e tirolesa. 

"Com aquele dia em 2001, começamos a enxergar que a gente podia acolher outro público", explicou. "A evolução da Cidade do Rock e os investimentos dos últimos anos trouxeram mudanças no comportamento da plateia e do perfil de público."

A virada do Rock In Rio para um festival com mais cara de pop que de rock se deu de forma gradual e pôde ser percebida com mais força agora na edição de 2022. Desde 2011, quando o festival se tornou um evento que acontece de dois em dois anos, a line-up buscava mesclar atrações populares, mas a maior parte das datas ainda era tomada por nomes do rock, hard rock e metal. Na edição atual, porém, quatro das sete noites estão ocupadas por artistas pop, sendo elas comandadas por Justin Bieber, Coldplay, Dua Lipa e Post Malone. Para além desses nomes, também se apresentam Demi Lovato, Jessie J, Camila Cabello e mais. Mas como chegamos até aqui?

Pop x rock: uma questão de lucro

Na edição de 2013, as três datas a esgotarem os ingressos com maior rapidez foram as de Beyoncé, Bon Jovi e Iron Maiden - a procura foi tanta que o site de vendas sofreu com uma sobrecarga. Já em 2015, a venda mais rápida foi a dos dias de Rihanna e Queen + Adam Lambert. O Metallica, que foi o grande headliner do Dia do Metal, não ficou na lanterninha, mas foi um dos últimos, junto com o System of a Down. O último dia a esgotar as vendas foi o comandado pelo Slipknot e Faith No More.

A edição de 2017, por sua vez, chamou atenção pela ausência de um verdadeiro Dia do Metal. Os headliners que encabeçaram as noites mais pesadas foram Bon Jovi, Red Hot Chili Peppers, Aerosmith, The Who e Guns N’ Roses (co-headliners). O dia do Chili Peppers - que também teria a banda de rock alternativo Thirty Seconds To Mars - foi um dos mais rápidos a ser esgotado, mas o Aerosmith ficou por último junto com, surpreendentemente, Justin Timberlake. Talvez essa ausência de fortes atrações do metal seja o que tenha motivado o sucesso de vendas de 2019, quando Iron Maiden voltou para a line-up como headliner e se apresentou no mesmo dia dos Scorpions.

Analisando as atrações das últimas cinco edições do Rock In Rio, é possível dizer que as bandas de rock, hard rock e rock alternativo sempre ocuparam a maior parte da line-up, e mesmo o metal já teve seus anos de glória e alta representatividade. A comparação de vendas com as de artistas pop, porém, hoje em dia pode se mostrar um tanto injusta, especialmente pela alta demanda que esses nomes representam em muito pouco tempo. A edição de 2022, por exemplo, teve os ingressos esgotados para a noite de Justin Bieber em apenas 12 minutos, enquanto o Iron Maiden levou cerca de uma semana para encerrar as vendas - um fenômeno até então bastante incomum.

É importante levar em consideração alguns fatores antes de determinarmos o sucesso ou o fracasso de vendas com base no tempo necessário para esgotar ingressos. Atualmente, especialmente com a lógica da demanda por streaming, é comum avaliar o sucesso de um produto levando em consideração o quão rápido ele vende ou é consumido pelo seu público. O público pop, porém, é um que normalmente se encontra inserido em uma verdadeira “febre” compartilhada por outros fãs de seus artistas favoritos, e, especialmente com a chegada do streaming, já está acostumado com uma lógica rápida e eficaz de compra/venda/consumo e repetição. Por outro lado, é fato que a procura pelo Dia do Metal não foi tanta.

Outro fator a ser apontado é que as atrações pop costumam vender ingressos mesmo para aqueles que não são fãs apaixonados do artista em questão. Nomes como Rihanna, Beyoncé, Justin Bieber e até mesmo Post Malone são um atrativo para as massas por serem por si só, grandes fenômenos, e também por ocuparem aos montes um espaço no qual o metal sai perdendo: a rádio. Bandas mais populares de rock como Guns ‘N’ Roses e Red Hot Chili Peppers conseguem atrair um público avulso por terem sucessos que já figuraram nas paradas, mas nomes como Iron Maiden e Dream Theater perdem a vantagem do público geral e acabam relegados a uma fanbase muito específica.

Nomes do pop que têm apelo para o público jovem e adulto conseguem arrastar multidões para festivais e também lotar tranquilamente shows em outras cidades do Brasil. O exemplo mais notável - e também, talvez, o mais chocante - é o da banda Coldplay, que esgotou nada menos que seis datas no Allianz Parque, em São Paulo, com capacidade para 40 mil pessoas. Enquanto isso, sem o apelo da rádio e dos streamings, as atrações tradicionais do metal vão se tornando cada vez mais dependentes de seus fãs fiéis, e encontram dificuldade de renovar seu público. O Dream Theater, por exemplo, apesar de ser um dos maiores nomes do metal progressivo, segue com ingressos à venda para seu show em São Paulo no Tokio Marine Hall, com capacidade para 4 mil pessoas.

Dentro de uma lógica capitalista, é claro, o lucro fala mais alto. E mesmo que os artistas pop não estivessem trazendo necessariamente mais lucro que o rock, eles definitivamente estão fazendo isso mais rápido. Bandas de rock que chamam público jovem provavelmente têm mais chance de se manterem nas line-ups posteriores. O dia do Green Day, por exemplo, que traz junto o Fall Out Boy, esgotou as entradas não muito depois de Dua Lipa, mais de 1h após o início das vendas. E enquanto o Guns ‘N’ Roses foi um pouco mais lento, levando quase 5 horas, não há dúvidas que a presença dos novatos do Måneskin foi atrativa para muitos.

Como defender, então, de um ponto de vista lucrativo, a presença de Iron Maiden como headliner, se a banda levou uma semana para esgotar os ingressos, enquanto Coldplay fechou a conta em 27 minutos? Como aconteceu em 2019, um line-up com mais opções e mais espaço para rock e metal já provou que pode, sim, chamar grandes públicos, mas também é interessante colocar em perspectiva que os headliners pop daquele ano (Drake e P!nk) não eram tão fortes quanto outros nomes que já passaram ou ainda vão passar pelo Rock In Rio.

Como o co-fundador do Wikimetal, Daniel Dystyler, apontou em seu último texto da nossa coluna no Omelete, os fãs de metal parecem ter criado para si um Olimpo de bandas intocáveis e insubstituíveis que acaba gerando questões importantes sobre o futuro do metal. Apesar das acusações de que o Rock In Rio estaria sempre repetindo as mesmas atrações pesadas, o público se mostra descontente quando não encontra nenhum dos grandes nomes no festival, como foi em 2017. O grande problema é: esses grandes nomes do metal são poucos e devem se tornar cada vez mais escassos agora que algumas bandas estão encerrando as atividades e outras possuem integrantes em idade avançada. Tudo isso dificultaria ainda mais a rotatividade de atrações em um festival como o Rock In Rio.

Levando em consideração o tempo estimado da venda de ingressos, é possível especular que o Rock In Rio continue seguindo a tendência de se tornar um festival cada vez mais jovem e conceda um espaço ainda menor aos veteranos fãs de heavy metal. É provável que o evento não abra mão completamente de suas origens no rock, mas pode ser que a organização invista em rostos mais jovens e mais apelativos para o público geral. Os italianos do Måneskin, por exemplo, podem até mesmo retornar ao festival como headliners dependendo do futuro de sua carreira. Outra alternativa seria trazer um pouco de rock através de atrações conhecidas do pop, como fez o Lollapalooza Brasil 2022 ao convidar Miley Cyrus e Machine Gun Kelly.

Com o flerte que o mainstream presencia atualmente de artistas pop investindo em sons mais pesados e artistas hardcore fazendo parcerias pop, o problema parece ser de fácil resolução, criando um casamento entre os dois gêneros que seria bastante conveniente para o Rock In Rio. Para os fãs do metal tradicional, entretanto, resta tentar acompanhar o ritmo de seus concorrentes no pop e investir em compras mais rápidas de ingressos ou ver seus artistas favoritos serem cada vez menos valorizados. Como um gênero de outsiders, o metal ainda resiste, mas não adianta tentar se enganar: sua permanência em grandes festivais de gêneros mistos só é garantida enquanto ele trouxer lucro.

PARA OUVIR

Para complementar tudo o que você acabou de ler, no episódio #345 do podcast do Wikimetal, nossa redação buscou responder uma pergunta intrigante: O festival Rock In Rio desvaloriza o rock e metal ou será que o problema está no público?

A equipe do site se reuniu para conversar sobre alguns pontos centrais dessa discussão, como a demora do Dia do Metal em esgotar todos os ingressos nesta edição, a saída do Megadeth do line-up e os comentários de Wikibrothers e Wikisisters sobre o assunto. 

Nos assista pelo YouTube ou ouça agora através do Spotify.

WIKIMETAL RECOMENDA

Já conhece a banda que vai abrir os shows do Iron Maiden no Brasil? Se trata do grupo sueco Avatar. Formado em 2001 na cidade de Gotemburgo, o Avatar traz uma sonoridade entre metal e death metal melódico. O grupo já lançou oito álbuns de estúdio até agora, incluindo o aclamado Hunter Gatherer, de 2020.

Entre as principais referências do Avatar estão nomes do rock n’ roll clássico, como The Beatles e Ozzy Osbourne, além do metal com The Haunted, In Flames, Dark Tranquility e Rammstein. E claro, Iron Maiden.

Com a vinda da banda ao Brasil, a redação do Wikimetal preparou uma playlist exclusiva com o melhor do som do Avatar para você conhecer a banda! Você pode conferir a seleção no Spotify e clicando aqui também a encontra no Deezer.

Sobre o Wikimetal 

Fundado em 2011, o Wikimetal se tornou o maior portal de conteúdo próprio do segmento de rock e heavy metal do país. Atualizado diariamente com notícias, quizzes, enquetes, textos, entrevistas e cobertura de shows, o portal busca informar o público sobre o mundo musical além de apresentar uma visão sobre como a música se coloca em nossa sociedade.