Quando foi indicada ao Emmy e ao Globo de Ouro na temporada passada de premiações, Emily em Paris chamou a atenção por ter conseguido tal feito mesmo sendo uma série alheia a absolutamente tudo que o mundo está atravessando no momento. Assumidamente banhada nos clichês de uma comédia romântica clássica, a série não tinha nem personagens e nem narrativas vigentes na televisão moderna; e invocava a vibe dos anos 90 na sua forma de desenvolver a própria trama. Nada de falar de problemas sócio-políticos, nada de navegar com a protagonista por problemáticas culturais ou de aprofundá-la com dramas existenciais... O papel de Emily em Paris era evidente: entreter na superfície.
Vindo de um showrunner como Darren Star, isso nem era exatamente uma surpresa. Darren ficou famoso por ter sido o criador de Barrados no Baile e Melrose Place, duas séries que eram a tradução mais exata das estratégias dramatúrgicas de suas épocas. Todas protagonizadas por jovens brancos e ricos, que tinham privilégios demais e acabavam ficando entediados com isso. Mais tarde, o showrunner criou Sex and the City, baseada no livro de Candance Bushnell. Mas, logo se ausentou da produção, que ficou a cargo de Michael Patrick King, o roteirista que acabou dando à produção a identidade que ela tem até hoje.
É evidente que não há nada de errado em criar uma história cheia de leveza e despretensão dramática. Mas, a arte também é um reflexo direto do momento, fazendo com que o público reaja a ela na mesma medida. Existem séries no ar que foram criadas para ser um conforto, para nos fazer bem depois de assistir a um episódio. Produções como Ted Lasso, no entanto, conseguem evoluir dentro da proposta do aconchego, estabelecer metas emocionais concretas para seus personagens, fazendo com que o caminho traçado pelos roteiros faça sentido no plano geral. Aí, então, que reside o problema: a Emily – que está em Paris – só anda em círculos.
Emily em qualquer lugar
Se em sua primeira temporada Emily (Lily Collins) conseguia nos convencer minimamente de seu desajuste cultural em terras parisienses, dessa vez é como se pouco importasse o lugar onde ela está. Tudo que não tinha a ver com o triângulo amoroso entre ela, Gabriel (Lucas Bravo) e Camille (Camille Razat) foi esvaziado da personagem e ela se resume, agora, a viver seus episódios numa eterna (e enfadonha) preocupação em livrar-se de uma situação que em momento nenhum soa nem minimamente ameaçadora. A Emily profissional, a Emily americana em solo estrangeiro... tudo fica em último plano, porque o importante é que ela sofra por ter sido péssima e traído a confiança de uma amiga.
A verdade é que esse drama aparece na tela como se fosse fofinho, ignorando completamente qualquer desdobramento que pudesse salvá-los do rasteiro. Duas mulheres se indispõem por causa de um homem que sai ileso e ainda é tratado como um membro da realeza. E por um número inexplicável de episódios tudo se resume a esse triângulo. Quando parece que vamos respirar, lá está ele de volta no episódio final, como se a única história possível de ser vivida por Emily fosse essa de terceiro travesseiro. E foi um investimento pesado, porque Sylvie (Phillippine Leroy-Beaulieu), por exemplo, teve que aceitar o subaproveitamento por mais da metade da temporada.
O mais interessante é que esse engessamento afetou todos os núcleos. Mindy (Ashley Park) teve tantas aparições como no primeiro ano, mas seu único conflito na temporada só foi possível porque o background de ter sido humilhada na China foi reprisado. Assim, Mindy terminou no mesmo lugar do ano anterior junto com Emily e seu triângulo amoroso, que teve a audácia de ser usado para criar o gancho final, como se houvesse mesmo qualquer preocupação por parte da audiência com os rumos que Darren resolveu dar para a protagonista. Quando Emily chora porque queria reconquistar Gabriel, é quase impossível se importar com ela, com seus looks perfeitos, seu sorriso abobado, sua paixão pelo namorado da amiga... Ela é inverossímil, produzida demais e enfeitada com ornamentos visuais calculados para esconder o fato de que a personagem não tem nada a dizer.
A entrada de Kate Walsh no final animou um pouco as coisas, mas quando começamos a embarcar na história, lá vem de novo o romance fajuto de Emily preparando outro encerramento supostamente impactante. Kate fica à frente de uma boa exposição da dinâmica de poderes no âmbito profissional dos acontecimentos. Mas, ainda que a grande surpresa não tenha a ver com essa história, ela é a que mais tira o espectador desse mundo cor-de-rosa pseudo adulto que ela arrasta por toda a temporada. É irritante ver um potencial ser despotencializado só porque os envolvidos não tiveram escuta. Nada acontece de verdade em Emily em Paris e a prova disso é que ela termina o ano como começou: resumida a um triângulo.
Os episódios são ralentados, o humor é desnutrido e se havia no primeiro ano o charme do olhar apaixonado em direção a uma nova empreitada pessoal, agora só resta a vida insípida e vazia de todos os envolvidos, sem exceção. Emily em Paris retornou para celebrar uma mediocridade lamentável, inadmissível, que cansa e nos faz querer deportá-la da nossa TV.