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Séries e TV

Crítica

Ginny & Georgia abandona parte do humor e volta mais dramática que nunca

Sucesso da Netflix acerta na abordagem de alguns de seus tópicos, mas a necessidade de criar reviravoltas deforma outros

06.01.2023, às 09H18.

Para os espectadores mais atentos, o episódio piloto de Ginny & Georgia parecia uma espécie de remake de Gilmore Girls. Mãe e filha mais amigas que mãe e filha, a mãe que foi mãe com 15 anos, a filha que agora tem 15 anos, a mãe que fugiu dos pais, a filha que recebe a visita esporádica do pai; e que é genial, inteligente, sempre em confronto com a necessidade da mãe de escapar de conflitos não falando deles... Tudo isso numa cidade pequena onde todo mundo viu todos os programas do mundo, tamanha a capacidade de metralhar referências no texto.  

Havia, contudo, uma diferença substancial. Ginny & Georgia é uma série interessada em drama por uma perspectiva severa. Enquanto em Gilmore Girls nada realmente acontecia e o charme estava todo nos diálogos, em Ginny & Georgia os roteiristas preferiram tomar o caminho do folhetim, arranjando para os episódios aquelas doses clássicas do gênero, com direito a flagras, intrigas e tiros. É aí que a produção busca sua identidade, ainda que essas características não sejam originais por natureza. Quando juntamos com isso o recurso de alternar presente e passado como se fazia em This is Us, o que se revela é uma série inconsistente. 

Uma das grandes críticas do ano passado foi a superficialidade de alguns dos investimentos narrativos. Sobre isso, enfim, parece ter havido alguma deliberação; sobretudo no que diz respeito aos problemas de Ginny (Antonia Gentry) com sua saúde mental. A série se preocupou de verdade em abordá-los com calma, gradativamente, justificando começo, meio e fim do processo. O preço foi aguentar Ginny encarnando o apogeu da adolescente insuportável, algo que até é possível entender, considerando que ela tem uma mãe como Georgia (Brianne Howey), que trata o assassinato como a coisa mais natural do mundo. 

Na segunda temporada, inclusive, os roteiristas chegaram até o limite do ridículo nessa questão. É evidente o que está na base criativa da série: Georgia chegou naquela cidade para que seu comportamento constantemente errático e inconsequente fosse freado. Quanto mais isso acontecesse, mais seus erros passados voltariam para assombrá-la. Ainda que Ginny segure as pontas do enredo teen, a série só consegue ter assunto por causa de Georgia, que traz todos os conflitos que afetam os outros personagens. A questão toda é: ela vai amadurecer ou não?

Ginny & Georgia & Murder

Nesse tipo de produção ninguém nunca pode amadurecer completamente, principalmente porque não se sabe quantas temporadas teremos pela frente e a imaturidade é necessária para frutificar enredos. Assim, já se pode esperar que Paul (Scott Porter) não deve ser o único a ficar com Georgia e que Ginny ainda deve promover muitos ataques infantilóides. Contudo, é preciso ter o mínimo de controle sobre a narrativa, para que os personagens não sejam traídos em nome do choque. 

Um bom exemplo disso foi o que os roteiristas resolveram fazer com Austin (Diesel La Torraca). O pai do menino voltou para uma participação típica dessas “novelas relutantes”. Sabíamos que ele seria um problema, mas também sabíamos que antes de revelar a verdade, eles iam fazê-lo mesmo parecer redimido. O menino Austin, então, já teria suas tensões estabelecidas para esse ano, não havendo necessidade nenhuma (nenhuma mesmo) de fazê-lo presenciar a mãe cometendo um crime terrível como o que ele presenciou. Foi gratuito e confuso, uma vez que o texto também não parece decidir se está criticando ou festejando essa falta de limites. 

O exagero continua, se espalhando pelos episódios como se não fosse nada. A questão armamentista da série segue mal representada, priorizando o background cultural de Georgia em detrimento de uma discussão séria a respeito. Eles fazem pior, colocando a arma nas mãos de uma criança e agindo como se ele estivesse realmente salvando a pátria. São mensagens confusas, deturpadas, que atrapalham a evolução dos personagens sob o pretexto de fazer com que eles pareçam complexos. 

Se no primeiro ano a série podia ser tratada como próxima de uma peça cult da cultura pop (algumas piadas e referências eram mesmo muito boas), dessa vez ela assumiu sua verdadeira posição no mercado: ela é uma série novelesca, dada aos rocamboles narrativos, muito mais preocupada com ganchos que com coerência; e apoiada totalmente no carisma de Brianne. Ginny & Georgia não tem diferencial, mas pode durar 15 anos. O importante é a longevidade e não o crescimento. 

Ficamos com os bons diálogos sobre transtornos mentais e com pontuais sequências de ternura entre Georgia e os filhos. Talvez o que nos motivará a continuar daqui para frente seja isso... No meio de tanto caos, o minimalismo emociona. 

Nota do Crítico
Regular