Qualquer espectador desavisado que assista Hacks sem ler nada a respeito vai pensar que sua segunda temporada é a linha final desse “diálogo” entre Debra (Jean Smart) e Ava (Hannah Einbinder). E a palavra “diálogo” aqui está ilustrando o que, de fato, constitui o enredo da série: uma veterana da comédia que não aceita as mudanças do tempo e uma novata da comédia, que despreza o peso que o tempo tem. Todos os episódios se apoiam na dinâmica de equilíbrio, onde uma hora o texto defende uma e depois, a outra.
Durante a primeira temporada o objetivo era explorar ao máximo o quanto as duas mulheres eram diferentes e o quanto a relação delas era quase impossível à primeira vista. Em narrativas assim, nós já sabemos como as coisas vão acontecer e nos engajamos justamente por causa disso. Há um prazer inexplicável em ver a roda girando até chegar ao ponto em que as duas passarão a se respeitar. É esperando esse momento que seguimos adiante com a história.
Hacks sempre soube manipular esses clichês de uma forma elegante, assumindo que eles são parte desse jogo, mas defendendo-os com um texto bem escrito. Para sua segunda temporada, a série precisava explorar como seria ver Debra e Ava trabalhando juntas, sem brigas e sem artimanhas para que os passos de confiança fossem retrocedidos. Foi, então, com especial surpresa que nos deparamos com um enredo que foi se fechando e se resolvendo como se o fim definitivo estivesse na esquina. De súbito, Hacks estava concretizando um final.
É o fim?
A grande decisão criativa de Lucia Aniello (co-criadora) foi mostrar o recomeço de Debra a partir do olhar de diferentes tipos de audiência. A temporada estabeleceu uma road trip para quase todo o elenco, que dentro do ônibus da comediante, atravessava cidades para que Debra fosse testando o material que ela e Ava criavam no caminho. A cada parada, também, Debra ia revisitando a própria carreira e compreendendo que tipo de pessoa havia sido até ali.
O objetivo nunca foi que o humor da personagem fosse rechaçado, mas que ela admitisse a demanda contemporânea, onde fazer piada sobre si enquanto manipula a ficção tem mais efeito do que atacar alvos fáceis diretamente. Por isso, a estrutura da temporada é tão eficiente: a cada encontro de Debra com um erro do passado ela tinha mais material para construir um especial que tivesse o mínimo de abordagem moderna.
Com dois episódios a menos que na temporada inicial, o segundo ano acertou em quase tudo. Todo o enredo de Marcus (Carl Clemons-Hopkins) talvez seja a parte mais descontextualizada. Por sorte, quando ele se junta ao grupo na viagem pelas cidades, o personagem sai desse limbo individual que até não seria um problema, se algum tipo de carisma resultasse disso. Jimmy (Paul Downs) e Kayla (Megan Stalter) permaneceram a temporada quase toda no escritório, mas a construção da relação entre eles foi divertidíssima de assistir (com um destaque especial para a “quase cena de Jerry McGuire” no escritório).
A temporada tem episódios inesquecíveis (como o do cruzeiro de lésbicas), mas conforme a reta final foi chegando, a sensação de que aquele era um final definitivo foi aumentando. Os três últimos apressaram um pouco as resoluções e pularam dificuldades naturais que poderiam ter rendido mais tensões. No episódio 8, o último, a sensação é de estar diante de um final de novela, onde tudo se resolve e se encaixa, assim, só porque a gente quer.
É evidente que deve haver um plano para o futuro (se ele vier) e está cedo demais para dizer adeus ao trabalho brilhante de Jean e Hannah. De certa forma, o final tão bem organizado coloca sobre a terceira temporada uma expectativa excitante. Há uma coragem respeitável em praticamente encerrar sua história, esvaziá-la inteira, para começar de novo. Ao mesmo tempo, que outra manobra poderia ser tão Deborah Vance quanto essa?