Quem tem o mínimo de conhecimento de cultura pop — e sim, o mínimo mesmo — já está bem ciente do uso de superpoderes como uma metáfora para o crescimento. Do Superman aos X-Men, o que não falta são exemplos de personagens famosos cujas trajetórias heroicas acompanhavam descobertas da vida e seus amadurecimentos. A própria Amazon brincou com essa ideia em 2023 com Gen V, mostrando protagonistas lutando com as expectativas do mundo e como elas iam de encontro a quem eles realmente são. Mas, se no derivado adolescente de The Boys a brutalidade é uma consequência da entrada na vida adulta, Invencível usa a violência como gatilho desse momento de virada.
Essa narrativa não é novidade na animação de Robert Kirkman, que também assina a HQ original. No primeiro ano, é o assassinato dos Guardiões Globais pelas mãos do Omni-Man (JK Simmons) que abre caminho para Mark (Steven Yeun), Eve (Gillian Jacobs) e outros jovens heróis se lançarem como os novos protetores da Terra. Se os capítulos finais da temporada de estreia expõem a imaturidade de seus protagonistas aos olhos do público, o novo ano da animação explora como as marcas internas deixadas pela traição do maior super-herói do mundo forçam Invencível e seus amigos a repensar o quanto eles ainda têm a crescer.
Ao contrário de filmes e séries do gênero que normalizam a violência para estilizá-la, Invencível nunca deixa de tratar a sangueira como um evento transformador. Cada batalha enfrentada por seus heróis resulta num trauma diferente e poderoso, que desperta sentimentos antes enterrados na leveza da juventude. Ainda que sirvam muito para chocar o espectador, cada desmembramento e estripamento deixa cicatrizes emocionais e psicológicas mais profundas que as físicas, especialmente nos responsáveis por essa violência. Mesmo que Mark seja o exemplo mais claro dos efeitos de uma vida regada a sangue e sacrifícios, Invencível ecoa essas dores nos seus coadjuvantes. É com Rex (Jason Mantzoukas), aliás, que o abandono da adolescência fica explícito como a temática da segunda temporada. Antes o principal alívio cômico da série, o jovem herói é confrontado repetidamente com a própria imaturidade, expurgada na base do soco na sequência mais gráfica da animação até agora.
Ainda assim, Invencível consegue fazer mesmo de cenas sem um único soco as mais violentas de sua temporada. Todo o arco de Debbie (Sandra Oh), chamada de “bichinho de estimação” pelo ex-marido no final do ano anterior, se baseia na superação de um luto quase insuportável. Desamparada e praticamente sozinha por todo o volume dois, a mãe de Mark é julgada, hostilizada e feita de coitada por quase todos ao seu redor ao longo dos novos oito episódios. Mais do que os super-humanos da série, a corretora precisa reencontrar suas forças num isolamento depressivo, que só acaba quando o filho retorna de uma missão mal-sucedida no espaço.
É bom reforçar que Invencível não abre mão da violência como choque. Assim como no primeiro ano, a série usa de entranhas detalhadas e jatos de sangue para manter o telespectador grudado à tela à medida em que suas tramas mais questionadoras vão se tornando mais profundas. Emulando o casamento do visual com o reflexivo que marca a obra de Kirkman (Zumbis Marvel; The Walking Dead), a animação encontra um ponto de equilíbrio entre tom e mensagens que nem sempre aparece em produções que se vendem como “super-heróis para adultos”.
Apesar da seriedade de seus temas, a segunda temporada de Invencível não foge do humor. Focada no despreparo de seus protagonistas, a comédia da série tece comentários ácidos sobre contos de amadurecimento e os clichês que acompanham essas narrativas. Não bastasse, Kirkman ainda inclui algumas piadas às custas de fãs mais barulhentos e impacientes que bombardeiam as redes sociais de cineastas em busca do mínimo de interação.
Equilibrando a maturidade e a irreverência, Invencível usa seus alívios cômicos de forma moderada, mas certeira, dando a Rex e Allen, o Alien (Seth Rogen), um papel real em sua história. Ao contrário de blockbusters que sentem receio de passar cinco minutos sem uma tirada sarcástica, a série usa o humor para pontuar os momentos de maior tensão e o momento emocional dos personagens em meio à sua destruição sanguinolenta.
Embora a série ainda se mantenha convidativa para quem nunca abriu uma única edição de Invencível, Kirkman inclui na temporada uma gama de piadas autorreferentes feitas sob medida para quem é fã do gibi. Entre brincadeiras metalinguísticas e homenagens a grandes personagens dos quadrinhos, o showrunner faz da segunda temporada um convite aos infinitos universos das páginas — sejam elas suas ou de concorrentes.
Mais forte em estrutura e temática que o primeiro ano, a segunda temporada de Invencível é, como foram The Boys e Pacificador antes dela, a prova de que humor e cores vibrantes não são paradoxais a uma produção adulta e sim armas a serem usadas para fortalecer sua mensagem. Isto é, quando feitas por pessoas capazes que respeitam o público como os adultos pensantes que são.