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Séries e TV

Crítica

Jury Duty revigora fórmula das sitcom unindo mockumentary a experimento social

Mesmo sem economizar no absurdo e no improviso, comédia não perde de vista a humanidade do seu protagonista

22.09.2023, às 17H47.

Explicar qual seria o apelo de acompanhar os bastidores de um julgamento parece desnecessário, sobretudo hoje, quando o interesse por narrativas de true crime é tão evidente. É muito simples: por mais que no centro esteja um crime e, portanto, a antecipação de consequências bem reais para todos os envolvidos, a dinâmica de “investigar” o que aconteceu, ouvir os depoimentos em primeira mão, acompanhar as performances dos advogados e conhecer a personalidade do juiz é, de fato, uma oportunidade de entretenimento muito particular. Do ponto de vista narrativo, trata-se de um cenário propício para explorar rivalidades, desenrolar mentiras, expor egos e, de uma forma ou de outra, julgar o caráter de pessoas que, no conforto do sofá, mais parecem personagens.

Por isso, é tão singular a sagacidade da dupla Lee Eisenberg e Gene Stupnitsky. Em vez de seguir somente por esse caminho direto e, a essa altura, óbvio, os dois criaram Jury Duty, um falso documentário aos moldes do Show de Truman, que transforma em produto não as minúcias da intimidade de alguém, mas as reações de uma única pessoa que não sabe que está inserida em uma trama ficcional.

A cobaia em questão é Ronald Gladden, um americano absolutamente comum, que concordou em participar de um doc sobre o sistema judicial, enquanto serve no júri ao lado de outras 11 pessoas. Por isso, todos os dias, ele grava depoimentos, individuais e coletivos, analisando com muita naturalidade os avanços no processo em que uma empregadora se diz prejudicada pela negligência de um antigo funcionário. Para Ronald, tudo soa realmente muito ordinário, até mesmo a presença do ator James Marsden entre os jurados — afinal, como era de se esperar, ele se comporta como uma estrelinha, enquanto tenta se livrar do seu dever cívico. O que Ronald não sabe, no entanto, é que todos à sua volta — isto é, juiz, guarda, advogados, réu, querelante e os demais jurados — são atores, seguindo um roteiro pré-definido, cujo objetivo é testar os limites do absurdo. A corte, a sala dos jurados, seu quarto no hotel e os espaços de convivência são monitorados por dezenas de câmeras, todas acompanhadas por uma equipe que reage em tempo real para antecipar seus passos e garantir a próxima situação cômica da vez. Quer dizer, ele é parte de um reality show, em que o totem de realidade é a simples presença de Ronald.

Essa proposta poderia ser insensível ou, talvez, até cruel, não fosse o fato de Jury Duty nunca perder de vista a humanidade do seu protagonista. Isso é notável pela própria escolha de Ronald. Não importa a adversidade que coloquem no seu caminho — seja Marsden entupindo seu banheiro e colocando a culpa nele ou, ainda, o mero convívio com um jurado com interesses e manias que facilmente seriam tidos como esquisitos —, ele sempre escolhe o caminho do acolhimento. Enquanto convive com caricaturas exageradas, cada uma à sua maneira, Ronald age como uma pessoa de verdade: ri por constrangimento, sim, mas também faz questão de se conectar com quem está a sua volta. Ele está de corpo e alma presente, para os colegas e, inclusive, para o caso. Nesse sentido, Ronald tem a essência de um personagem principal clássico: sem perder seu senso de humor, ele se mantém admirável, assim como não abre mão do seu compromisso e sua lealdade com seus pares.

No entanto, esse não é um mérito exclusivo de Ronald — embora, é claro, ele seja também grande responsável por Jury Duty ter esse tom amigável e convidativo. Na verdade, a esperteza de Eisenberg e Stupnitsky está em usar esse experimento social para fazer uma releitura da fórmula das sitcoms. Porque, essencialmente, esta série se assemelha a The Office e Parks and Recreation para além do mockumentary: Jury Duty é uma comédia centrada em um ambiente de trabalho pouco convencional e habitado por figuras com personalidades, interesses e trejeitos bastante peculiares.

Ao longo de oito episódios, o espectador acompanha incidentes pontuais que desenvolvem cada um dos personagens, dentro do estereótipo escolhido para eles. Marsden, o jurado cego pelo próprio ego, precisa lidar com sua irrelevância dentro do grupo; Noah (Mekki Leeper, de A Vida Sexual das Universitárias), o certinho que “escolheu” esperar, é assombrado pela possibilidade da traição e a tentação da carismática Jeannie (Edy Modica); Todd (David Brown), o inventor mirabolante, tenta superar seu acanhamento e se integrar mais ao grupo. Há, ainda, o viciado em jogatina, o divorciado em negação, a investigadora de Reddit, o melhor amigo reservado… Quer dizer, todos são tipos de personagens que você já encontrou ao menos uma vez em uma sitcom.

Mas, mais relevante ainda, isso deixa para Ronald o papel de ninguém mais que o straight man, um tropo clássico da comédia. Como John Krasinski em The Office, Adam Scott em Parks and Rec ou Jason Bateman em Arrested Development, ele personifica o que é convencional e, como consequência, enfatiza a estranheza das situações e a excentricidade dos seus colegas. Ele não precisa ter qualquer preocupação cômica, porque o humor surge do contraste. Basta que ele esteja presente em todos os episódios, ainda que como observador, e a punchline será entregue.

É evidente que a forma como Jury Duty chega a esse resultado é seu grande diferencial. Afinal de contas, por mais que exista um roteiro, as ações de Ronald são imprevisíveis. Isso significa que o elenco passou dias inteiros convivendo com o protagonista na base do improviso, reagindo às suas referências e tentando conduzi-lo para onde precisavam, mesmo quando ele demonstrava resistência. Do lado de lá das câmeras, por sua vez, o roteiro também ganhava vida própria, sobretudo conforme Ronald mergulhava mais e mais na investigação. Essas constatações só enfatizam como Jury Duty, mesmo recorrendo a elementos formulaicos, é um exercício de comédia impressionante.

Nota do Crítico
Ótimo