La Casa de Papel: Coreia é um caso interessante para se observar como uma mesma história pode ser contada várias vezes de formas bastante diferentes, na superfície, mas fundamentalmente iguais em seu cerne. Ao receber a missão de refazer o fenômeno espanhol da Netflix em um cenário coreano, o roteirista Ryu Yong-jae tem algumas ideias curiosas, sendo a principal delas incluir um aspecto futurista à trama, ambientando-a em 2025, quando as Coreias do Sul e do Norte atingem um inesperado acordo de reunificação.
O processo, no entanto, beneficia apenas a elite de ambos os países, deixando as classes mais baixas à mercê da dificuldade econômica e do crime desenfreado. Nesse contexto, o Professor (Yoo Ji-tae, de Oldboy) reúne um time de cidadãos revoltados de ambos os lados da antiga fronteira e organiza um assalto à recém-estabelecida Casa da Moeda da economia unificada. De certa forma, portanto, La Casa de Papel: Coreia usa a ficção científica como pretexto perfeito para nos comunicar o que deveríamos saber desde o começo, também na série espanhola: aqui, os ladrões são os mocinhos.
É só uma questão de trocar a performance a capella de “Bella Ciao” por algumas cenas de flashback dos personagens, no entanto. Enquanto Álex Pina e cia. estavam mais confortáveis em deixar seus ladrões serem cifras sobre as quais o público podia projetar suas fantasias de Robin Hood, a equipe de La Casa de Papel: Coreia prefere nos esclarecer quem eles (ou, pelo menos nessa temporada, alguns deles) são e como chegaram até aqui. Uma abordagem mais direta, quase folhetinesca, como é de praxe para a dramaturgia sul-coreana.
Não levem a mal, no entanto: é bacana saber mais do Professor, de Tóquio (Jeon Jong-seo, de Em Chamas) e de Rio (Lee Hyun-woo, de To the Beautiful You). Os panos de fundo para o envolvimento deles no assalto pintam um quadro bastante convincente das condições sociais insustentáveis que levam à revolta institucional de indivíduos que, em um quadro mais humano, de menos desigualdade, não recorreriam à violência. Sai de cena, portanto, a revolução iconográfica do bando espanhol de La Casa de Papel, e entra uma raiva mais palpável, real… e, por isso mesmo, trágica.
O cenário da Coreia reunificada também cria tensões entre personagens originados de lados diferentes da fronteira. Esta versão coreana de La Casa claramente quer escancarar, literalizar o subtexto de opressão racial, econômica e sexual em que viviam os personagens da espanhola, mas o showrunner Ryu Yong-jae não consegue se agarrar a esses temas pelo tempo necessário para que eles causem um impacto real. Isso porque, claramente, a série também se vê obrigada a refazer as reviravoltas e recriar o clima de jogo de xadrez da original.
Há alguns detalhes mudados, é claro, mas La Casa de Papel: Coreia replica com relativa fidelidade as idas e vindas do plot espanhol. A relação do professor com a inspetora Seon Woojin (Yunjin Kim, de Lost) progride de forma bem parecida com a que vemos na série original, por exemplo; as tentativas de fuga dos reféns, lideradas pelo diretor da Casa da Moeda (Park Myeong-hoon, de Parasita) e pela filha de um embaixador americano (Lee Si-woo, de O Mito de Sísifo), continuam sendo uma distração sonolenta do desenvolvimento dramático principal da série; e a narração em off de Tóquio parece ainda mais supérflua e genérica do que o usual, em grande parte porque a personagem em si é neutralizada pelo roteiro.
Com um ritmo deliberado, La Casa de Papel: Coreia ainda tenta evitar episódios que andam em círculos, mas essa é uma missão difícil quando adaptando tão fielmente uma série cuja marca registrada, praticamente, é a enrolação. É uma pena, porque a equipe técnica brilha em alguns momentos: no episódio 5, por exemplo, o diretor Kim Hong-sun entrega uma cena de perseguição mais eletrizante e bem filmada do que qualquer coisa que a série espanhola conseguiu montar com o orçamento limitado de seus primeiros episódios.
Essa dança delicada entre inovação e repetição define La Casa de Papel: Coreia mais do que qualquer outra coisa. No esforço de justificar sua própria existência, ela tenta se afastar da original de forma pontual; mas, na ânsia por não desapontar os fãs e seguir a receita de sucesso de um fenômeno de audiência global, ela se perde no marasmo. Melhor seria se ela se limitasse a acenos delicados, como o nome da lanchonete onde o Professor se esconde (“Café Bella Ciao”) e a adorável imitação que Kim Ji-hoon faz da risada icônica do Denver original, Jaime Lorente, e mergulhasse de cabeça na história original que claramente quer contar.
Do jeito como está, este remake só funciona mesmo para os não iniciados em La Casa de Papel… ou para quem se contenta com muito pouco em seu entretenimento.