Uma reportagem de um importante jornal espanhol em 2018 definiu Neymar pejorativamente como “um adolescente em eternas férias de verão”. Hoje, a alguns dias de completar em fevereiro 30 anos de idade, o maior jogador da seleção brasileira nos últimos tempos não faz questão nenhuma de derrubar essa visão comum sobre seu jeito de levar a vida.
Em Neymar: O Caos Perfeito, documentário em três partes da Netflix, o camisa 10 do Paris Saint-Germain diz que não se importa sobre o que as pessoas pensam a seu respeito. Mais do que isso, exalta com orgulho o lado bon vivant que incomoda tanta gente, de jornalistas a torcedores.
“A galera fica irritada por eu ser um cara focado em campo, mas que conseguiu viver sua vida. Acho que ninguém conseguiu fazer isso bem, e eu faço”, diz Neymar numa das entrevistas.
A série documental dirigida por David Charles Rodrigues, que tem o astro do basquete LeBron James como produtor-executivo, entrega ao público muita coisa do que já se conhece sobre Neymar. Estão lá os “parças”, a rotina incansável de festas e, igualmente, as façanhas esportivas. Mas, mesmo com essa sensação de mais do mesmo para quem acompanha o craque, a produção tem como trunfo expor a tensão entre o jogador e o seu pai, responsável pela condução de carreira do filho.
O ídolo, que desde sempre deixou a gestão profissional nas mãos do pai, expõe em vários momentos o atual status de desgaste nesta relação familiar, usando sem medo o termo “distanciamento”. “Ele sempre cuidou de mim 24 horas por dia. Chega um momento que você não quer tanto aquilo. Você acaba perdendo o pai”, diz Neymar em precioso momento do documentário, em meio a futilidades triviais e ao dia a dia de ostentação.
Neymar pai é praticamente um coprotagonista do filme, com muitos minutos de tela. Ex-jogador de carreira medíocre, o empresário concede a maior parte de seu depoimento sentado num escritório de vista imponente em São Paulo, no QG da NR Sports. Lá, também apresenta um pouco do cotidiano da empresa criada para cuidar dos negócios do filho e fala com orgulho do exército de 215 funcionários trabalhando em projetos ligados ao craque.
No decorrer do documentário, Neymar pai é retratado como alguém obcecado pela gestão de imagem do filho, que parece carregar uma leve insatisfação pela indiferença do craque festeiro pelo mundo business. O empresário diz que está debruçado na administração de mais “sete ou oito anos de carreira” do jogador, para que o astro do PSG possa viver apenas do legado quando deixar o futebol. “Mais ou menos como um Michael Jordan”, diz.
Do outro lado, Neymar externa em alguns momentos o desgaste com o rigor do pai. A cena mais emblemática deste desconforto se dá em 2019, quando o jogador acabara de se livrar de uma acusação de estupro, que ameaçou comprometer sua carreira. Com amigos e funcionários como testemunhas, o empresário dá uma bronca daquelas no filho, falando em cuidados de imagem. O ídolo rebate e mostra no semblante que não gosta nenhum um pouco da situação de cobrança.
De resto, a série entrega pouco a quem já conhece a carreira de Neymar. Obviamente que estão lá os “parças”, como os onipresentes Gil Cebola e Jota Amâncio – os dois estão sentados na mesma cama do atacante durante a entrevista mais importante do craque no filme. Entre os amigos conhecidos, também há espaço para jogador de vôlei Bruninho e o surfista Gabriel Medina. Mas fica uma ponta de decepção no lado celebridade do protagonista, já que seu célebre romance com a atriz Bruna Marquezine não é mencionado em nenhum momento.
Na parte esportiva figuram os jogos mais emblemáticos, como a final da Olimpíada de 2016 no Rio e a virada histórica do Barcelona sobre o PSG na Liga dos Campeões de 2017 – em jogo que é apresentado como momento divisor de águas da carreira de Neymar, por sugerir um afastamento da sombra de Messi e por deflagar a obsessão dos donos do clube francês pela contratação do brasileiro.
Mas também se repetem episódios bastante conhecidos da trajetória do Neymar, como o “estamos criando um monstro”, comentário proferido pelo técnico René Simões após uma atitude indisciplinada do atleta no distante ano de 2010, quando o então adolescente ainda defendia o Santos. Entre os raros fragmentos que sugerem algum frescor, Neymar e Messi descrevem o choro do brasileiro no vestiário em seu difícil começo no Barcelona, quando ganhou de vez o “apadrinhamento” do argentino. O craque também revela algo que não se sabia sobre a eliminação na Copa de 2018, ao contar que jogou contra a Bélgica com “as costas travadas”, em consequência ainda do Mundial anterior, quando teve uma grave lesão.
O documentário mostra o ídolo cercado de obras de arte com a sua imagem em suas diferentes residências e exibe elogios ao atacante vindos de nomes do futebol como Messi, Beckham, Mbappé, Daniel Alves e Thiago Silva. Mas o diretor David Charles Rodrigues consegue dosar o teor “chapa-branca” com depoimentos de torcedores do PSG frustrados com o que Neymar entregou no time até agora e com análises de jornalistas franceses. O comentarista brasileiro Juca Kfouri completa a seção crítica ao dizer que a ex-revelação do Santos é um talento raro que parece que não vai atingir o auge de seu jogo.
No fim do terceiro e último episódio, fica a impressão de que o arco narrativo não fecha direito, com o corte final trazendo a derrota do PSG na final da Liga dos Campeões de 2020. Como a trajetória esportiva de Neymar ainda não terminou, e segue com metas a alcançar, como ganhar uma Copa e oferecer um título europeu aos parisienses, talvez Neymar: O Caos Perfeito ganhe uma extensão no futuro. Então, que venham mais gols e polêmicas.