Prime Video/Divulgação

Séries e TV

Crítica

A Roda do Tempo tem boas cenas de ação, mas sofre para desenvolver personagens

Com uma mitologia vasta, superprodução da Amazon não consegue estabelecer conexões

26.12.2021, às 14H56.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H47

Às vezes, para que um argumento ganhe mais dimensão e clareza, a comparação é inevitável. Os criadores da adaptação de A Roda do Tempo precisaram enfrentar aquela mais óbvia, com Game of Thrones; que por mais irritante que seja tem escopo nesse círculo de produções baseadas em mundos alternativos e medievais, que, por si só, se tornaram referenciais a partir de O Senhor dos Anéis. Todas se encostam e se distanciam por razões diferentes, mas as comparações podem ser úteis na hora de entender por que algumas têm deficiências onde outras alcançaram êxito.

Apesar de ter jogado pela janela quase tudo que fez justamente em seu último ano, Game of Thrones tinha uma qualidade narrativa: ela se dedicava a seus personagens mesmo que isso lhe custasse críticas à lentidão da história. Com várias horas de investimento dramatúrgico emocional, a série acabava conseguindo estabelecer para o público, com precisão, quem eram aquelas pessoas, a despeito de toda a fantasia que as cercava. Sabíamos direitinho que Cersei era fria e dominante, que Tyrion era melancólico e debochado; e que Jaime era arrogante e autocentrado. Isso falando só sobre os Lannisters.

Lá na série da HBO, os roteiros se dedicavam a abrir mão da mitologia fantástica em alguns momentos e investiam em tramas interpessoais (quem odiava quem, quem ia casar com quem, quem ia armar contra quem...). Esse era um traço que já aparecia na primeira temporada e que foi responsável por cativar o público, que sabia direitinho sobre a guerra de caráter entre Lannisters e Starks. Sem isso, a morte de Ned não teria nenhum impacto. Não adiantaria matar um personagem de uma maneira dramática e chocante se o público não fosse capaz de lamentar nem por um minuto essa perda.

Esse é exatamente o problema de A Roda do Tempo. Baseada nos livros de Robert Jordan, a série de 8 episódios tem uma qualidade visual incrível e até estabelece bem os elementos principais de seu universo. Mas, tropeça e cai quando o assunto é a natureza de seus personagens. As mais de 8 horas de narrativa conseguem nos informar que existe um mal superior, que existe um salvador para combatê-lo e que esse salvador é protegido por uma mulher que se rebelou contra a própria ordem. Porém, é extremamente difícil descrever os personagens sem que eles se misturem e soem todos genéricos. Esse é um pecado quase imperdoável.

A Roda do Tempo gira rápido demais

Talvez para evitar ser chamada de “morosa” (como Game of Thrones era chamada às vezes), A Roda do Tempo girou rápido o suficiente para queimar etapas importantes. A história começa com Moiraine (Rosamund Pike, com a mesma expressão de sempre), que é membro de uma ordem chamada Aes Sedai e que está há anos vagando pelo mundo procurando pelo próximo Dragão Renascido. O tal Dragão precisa ser encontrado por ela, para impedir que o “Tenebroso” o encontre antes e o corrompa. Ao chegar em Edmond, Moiraine presencia um ataque e sai de lá com 5 jovens que podem, potencialmente, ser a encarnação do Messias.

A partir daí a obra se aproxima de todas as suas “irmãs” e passa a seguir os personagens numa jornada que sabemos que demorará muitas temporadas para terminar. A ideia é criar uma expectativa sobre quem pode ser o Dragão e, no meio disso, trabalhar a interessante ideia de um mundo em que as mulheres dominam a magia e os homens podem enlouquecer se o fizerem. Curiosamente, essa premissa, que à primeira vista pode parecer conectada ao feminismo vigente, é frágil na sua essência: as mulheres dominam a magia, mas precisam de um salvador, que a série até tenta desviar para ser possível também numa mulher, mas que encontra um impedimento incontestável: nos livros a identidade do Dragão é sempre masculina e mudar quem ele é, para os fãs, seria inadmissível.

A história corre tão desesperada para entregar reviravoltas, que é difícil se importar com qualquer coisa. O melhor episódio (da volta de Moiraine até a Torre onde está o trono das Aes Sedai) é o melhor justamente porque investe um pouco mais em aprofundar as relações entre as mulheres da Ordem. Contudo, a cafonice das nomenclaturas (Tenebroso, Olho do Mundo, Poder Único...) piora o DNA do texto, que é excessivamente cerimonioso. Há poucos diálogos que não descambam para o tom solene de quem precisa dizer algo muito importante para a salvação da humanidade. Todos estão sempre fugindo de algo ou combatendo algo. O resultado disso é a superficialidade das conexões.

Os três últimos episódios tem uma condução tecnicamente competente e valem a nossa atenção. Mas, a iminência do final da temporada acelera de novo a ação e aspectos importantes de uma dramaturgia, como uma grande revelação ou uma morte, não tem um canal sentimental efetivo e se perdem no vento. No final, quando uma grande batalha muda drasticamente o destino da maioria dos personagens, ainda não somos capazes de sofrer ou torcer por nenhum deles.

Considerando que a segunda temporada já foi filmada, não se deve mudar muita coisa. Infelizmente, sabemos tão pouco sobre Rand (Josha Stradowsky), Nynaeve (Zoe Robins), Egwene (Madeleine Madden), Perrin (Marcus Rutherford) e Mat (Barney Harris), que esteja o dragão onde estiver (e se você já assistiu tudo sabe quem ele é), mais que salvar o mundo com seu texto messiânico, ele precisa tentar salvar o próprio emprego. A Amazon já cometeu erros caríssimos, (como American Gods) e não vai querer cair na mesma armadilha. Se existe uma saída para escapar de se levar a sério demais, o nome dela é leveza. A Roda do Tempo precisa desacelerar ou vai terminar capotando.

Nota do Crítico
Regular