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Séries e TV

Crítica

The Umbrella Academy e seus personagens precisam parar de andar em círculos

Série da Netflix raramente faz por merecer a boa vontade do público na 3ª temporada

23.06.2022, às 10H33.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Há algo de especial na receita de desajuste, trauma e afeição que forma os personagens principais de The Umbrella Academy. O épico de super-heróis da Netflix, baseado nos quadrinhos de Gerard Way e Gabriel Bá, testa essa receita de maneiras inéditas na 3ª temporada, empurrando esses personagens para que eles confrontem, ainda que aos trancos e barrancos, as raízes de seus próprios medos, vícios e pesares. Em vários desses momentos, espalhados pelos 10 episódios da temporada, a série brilha - mas tudo o que cerca esse trabalho de personagem nos distrai dele, ao invés de realçá-lo.

Se a chave para entender o apelo de Umbrella está na imperfeição deliciosa de seus protagonistas, a sua falha mais fundamental também é fácil de se apontar: a repetição. A sinopse deste 3º ano, se despida de específicos, poderia ser também a sinopse dos dois anteriores, com os irmãos Hargreeves lidando com a possibilidade do apocalipse em uma timeline modificada pelos atos deles mesmos no passado. O caos reina enquanto eles enfrentam um poderoso novo inimigo (desta vez, a Sparrow Academy), se dividindo em missões muitas vezes antitéticas e contraprodutivas que mais têm a ver com suas angústias pessoais do que com o conflito em questão.

O resultado, como de costume, são 10 episódios que charmosamente serpenteiam ao redor de uma trama, perpetuamente buscando pelo seu ponto, e o encontrando somente no momento em que os personagens se juntam em um mesmo lugar, confrontados pela realidade inevitável do que estiveram tentando evitar o tempo todo. The Umbrella Academy é outra série nos episódios a partir de “Auf Wiedersehen” (3x07), se mostrando cheia de propósito narrativo e sem temer o absurdo, o inexplicável, o mágico e o ridículo. 

O diretor Paco Cabezas (1x08, 1x09), particularmente, faz um trabalho exemplar de realçar a estranheza dos cenários e interações, abusando de recursos como a câmera lenta e perspectivas subjetivas para expressá-las. Enquanto isso, os diretores de fotografia Craig Wrobleski e Neville Kidd dividem a responsabilidade de criar uma temporada que, enquanto não se eleva na trama, ao menos é bonita de se olhar. Mas, de novo, esse é o modus operandi da série desde o primeiro ano: nos dar um final espetacular, sem pudor de virar a trama de cabeça para baixo, após uma temporada que foge muito obstinadamente tanto do espetáculo quanto do irreversível.

O elenco faz o melhor que pode para gerar engajamento emocional a partir dessa repetição. Elliot Page refina a sensibilidade do seu Viktor em uma temporada que reconhece habilmente as realidades do personagem (e não falamos só de sua identidade transgênero, abordada com pontualidade pela série); Robert Sheehan mais uma vez se mostra plenamente capaz de encontrar o fio de humanidade que corre por dentro de seus tipos excêntricos; Colm Feore ganha bem-vindo espaço para explorar novas cores de seu Reginald; e Ritu Arya continua sendo a intérprete mais conectada ao espírito de completo caos emocional que faz Umbrella ser tão irresistível.

A temporada confia bastante, no entanto, na Allison de Emmy Raver-Lampman para conduzir o conflito central da trama. É o reconhecimento bem-vindo de uma performance centrada e de uma personagem que merecia mais destaque desde o início da série, mas isso não muda o fato de que o showrunner Steve Blackman e seus roteiristas estão trapaceando. É trapaça elevar uma personagem após negligenciar sua construção por temporadas a fio, tentar costurar todas as pontas soltas dela no meio da complicada situação em que está metida, tentar nos convencer do poder de seu trauma sem que tenhamos podido senti-lo de verdade antes. É trapaça e, mais importante, não funciona.

Como resultado, a 3ª temporada de The Umbrella Academy é um empreendimento repetitivo com um buraco emocional e moral em seu centro. É como se Blackman e cia. estivessem, assim como os Hargreeves, presos em um ciclo vicioso. É mais fácil sair de um dilema criativo do que superar traumas de infância, no entanto, e a equipe de The Umbrella Academy faria bem de lembrar que a boa vontade do público, ao contrário das timelines e realidades alternativas do seu universo, não é um recurso infinito.

Nota do Crítico
Regular