Divulgação/Netflix

Séries e TV

Crítica

Um de Nós Está Mentindo surpreende na complexidade, mas desfecho não empolga

Erica Saleh comanda série teen que equilibra drama e mistério, passeando por temas como homossexualidade, traição e aborto

03.03.2022, às 13H19.
Atualizada em 03.03.2022, ÀS 13H29

Fofoca é um ingrediente certeiro para o sucesso das tramas adolescentes dos últimos anos, e quando misturado a consequências mortais, a curiosidade em relação ao desfecho é incontrolável. Cheia de referências a grandes thrillers, a primeira temporada do suspense adolescente Um de Nós Está Mentindo chega ao catálogo da Netflix misturando uma rede de segredos e um chocante assassinato, na adaptação do romance homônimo da autora Karen McManus. A produção é direta, focada em movimentar os acontecimentos que envolvem o crime, e pouco se vê de alívio cômico ou romance, mas os relacionamentos e conflitos, quando apresentados, são complexos e colaboram com cada situação.

A trama começa com Simon (Mark McKenna), um dos estudantes de Bayview High. Incompreendido e com senso de justiça duvidoso, Simon é conhecido no colégio como dono de um aplicativo que criou para divulgar, semanalmente, os mais íntimos segredos dos colegas que frequentam a escola — e diferentemente de Gossip Girl, todos sabem do trabalho que ele realiza, o que não é bem-visto pela maioria. Logo nos primeiros minutos da trama, antes de vazar novas bombas para o final de semana, Simon morre envenenado, na sala de detenção, com outros quatro estudantes que cumpriam castigo. Os olhares da polícia e da mídia recaem sobre o quarteto presente no momento do crime, todos com diferentes segredos e motivos.

O grupo protagonista é total e propositalmente clichê: Addy (Annalisa Cochrane), a animadora de torcida; Cooper (Chibuikem Uche), a promessa do beisebol; Bronwyn (Marianly Tejada), a nerd responsável; e Nate (Cooper van Grootel), o típico bad boy. A produção é bem honesta na escolha destes personagens e não tenta ser mais do que propõe: um mistério adolescente com fórmulas e tipos muito bem testados e definidos. Com isso em mente, os estereótipos precisam se encaixar na temática e não se afastam muito da receita do high school “perigoso”. Com o desenrolar dos acontecimentos, o que era óbvio ganha novas dimensões através das doses equilibradas de drama, arquitetadas pela showrunner Erica Saleh.

Como em 13 Reasons Why, mesmo com a morte de Simon, o aplicativo não é totalmente interrompido, e os boatos continuam a atingir o colégio. Nesse momento, a história abre um leque de suposições sobre quem seriam os reais suspeitos e quem estaria movimentando o aplicativo com novos boatos. A única certeza que se tem nos primeiros episódios é o sentimento de medo, que paira sobre a escola enquanto os alunos sabem que podem ter seus podres vazados a qualquer momento — o que consequentemente muda os rumos da investigação.

Na contramão de produções como Elite, a série não apresenta cenas de sexo ou de consumo de drogas para se fazer valer, focando quase que o tempo todo no investigativo. Tudo que acontece em volta é encaixado apenas para ajudar a montar o quebra-cabeça do assassinato, e isso talvez baste para prender a atenção de quem assiste.

O percurso dos acontecimentos é tortuoso. Diferentemente dos mistérios de Agatha Christie ou dos segredos de Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, certas decisões não fazem sentido em momentos chaves do enredo, e a todo momento somos levados a becos sem saída propositalmente, para que assim o foco possa ir mudando de suspeito para suspeito, deixando o espectador cansado dessa rotina. Algumas teorias ou fatos que vão se levantando não são muito realistas, mas a complexidade de alguns personagens faz valer a pena chegar até o último episódio.

Sobre o quarteto investigado, chamado pela mídia local de Clube dos Assassinos, existem destaques que vale mencionar, mas também decepções. Addy, clichê e sem carisma nos primeiros momentos, é sem dúvida uma personagem que cresce e se transforma de um jeito inesperado; todos os relacionamentos da adolescente possuem um grau de complexidade que é inevitável não acompanhar. Cooper, o atleta, consegue transitar entre temas delicados e ainda manter um certo realismo nas decisões. Já Nate e Bronwyn são personagens rasos, sem química, e bem previsíveis. Menção honrosa para as coadjuvantes Janae (Jessica McLeod) e Maeve (Melissa Collazo), que são irreverentes e refrescam a fórmula batida do ensino médio americano.

A temática envolvendo relacionamentos LGBTQIA+ está bastante presente na série, de um jeito leve (quando tem que ser) e inserido para completar a trama e explicar alguns acontecimentos, não como um adereço desnecessário. Destaque para o sexto episódio, em que acontece o baile de formatura, com cenas de suspense e investigação mescladas com alívios cômicos e uma boa trilha sonora, o que deixa esse capítulo bem divertido e com um ritmo diferente do restante da série.

Ao final da jornada, aos poucos se revela o real autor do crime, mas a dinâmica e as motivações são pobres, o que também acaba destruindo o caminho pavimentado anteriormente pelo espectador de que algo super perspicaz estava por vir.

A produção termina com pontas soltas para uma possível 2ª temporada, que poderá ou não ser focada nos mesmos personagens. Com isso, Um de Nós Está Mentindo se apresenta como um suspense adolescente, e entrega exatamente isso, com pitadas de drama e abordagens de temas recorrentes nas escolas, que de alguma maneira acabam compensando a trama da investigação no desfecho. A série temi falhas e uma salada de clichês, mas tem um bom ritmo, o que talvez seja suficiente para entreter os amantes de mistérios.  

Nota do Crítico
Bom