A não ser que você viva completamente desconectado de qualquer veículo que fale sobre cultura pop, é impossível ter escapado do contato com o Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Entre 2008 e 2021, o Marvel Studios e a agora extinta Marvel Television lideraram o movimento nerd de Hollywood com 23 filmes e 11 séries ligados à franquia baseada nos heróis dos quadrinhos da Casa das Ideias. Desde o fim da divisão comandada por Jeph Loeb, no entanto, criou-se uma expectativa sobre quais seriam os próximos passos da marca na TV. Quando a Disney anunciou a criação de seu próprio streaming, o Disney+, prometendo um extenso cardápio de produções originais, a “grife” criada por Kevin Feige se tornou rapidamente o carro-chefe do serviço. Em menos de um ano, o estúdio anunciou diversas séries que vão expandir a franquia, protagonizadas por novos e antigos personagens. Primeiro programa dessa fase de expansão, WandaVision mostrou que o MCU tem muito a ser explorado nesse novo canal.
Desde seus primeiros episódios, ficou claro que a minissérie escrita por Jac Schaeffer e dirigida por Matt Shakman não seria facilmente digerida por novatos à franquia. Apoiada nos acontecimentos de Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, a produção confundiu alguns fãs desavisados com seu formato de sitcom e exibição em preto e branco, e mesmo os espectadores mais dedicados do MCU precisaram ser convencidos de que esse formato “diferentão” faria sentido. Felizmente, essa curiosidade se traduziu em qualidade e, pelo menos em seus três primeiros episódios, WandaVision alternou momentos de comédia e suspense com relativa maestria, prendendo o público e gerando grande barulho nas redes sociais.
Embora a qualidade técnica da produção seja indiscutível, especialmente ao recriar cenários e formatos de produções clássicas, é nas atuações que a minissérie se destaca. Desde as coadjuvantes Kathryn Hahn e Teyonah Parris até os protagonistas, não há um ator do elenco principal que não deixe tudo de si em cena. Paul Bettany e sua versão atrapalhada do Visão, por exemplo, estão em um nível muito acima do que já apresentado nos filmes, com o ator inglês exercitando todos os músculos teatrais que ficaram presos desde sua estreia em Vingadores: A Era de Ultron.
Mas quem domina a minissérie é Elizabeth Olsen. Também limitada no cinema pela divisão de holofotes com estrelas de maior magnitude, a atriz brilha de maneira descomunal, deslizando com naturalidade entre os momentos de comédia, drama, suspense e até terror. Do primeiro ao último episódio, ela faz com que até as grandes barrigas expositivas da produção divirtam e emocionem.
O trabalho de Schaeffer e Shakman também precisa ser elogiado. Apesar da mania do Marvel Studios de conectar todas as suas produções com dezenas de referências e pontas soltas, a dupla soube conter esse planejamento de franquia na trama de Monica (Parris) e criar uma história fechada de Wanda (Olsen) que, até os segundos finais, ignora seu já confirmado retorno em Doctor Strange in the Multiverse of Madness. Os cineastas também surpreenderam ao fugir do mecanismo simplório da “mulher louca”, explorando minuciosamente cada um dos traumas da Feiticeira Escarlate, explicando que suas ações vão muito além de um “surto”.
Isso não quer dizer que a série esteja livre de altos e baixos. Como já mencionado, WandaVision passa pelo velho problema das “barrigas”, com episódios expositivos como “Interrompemos este Programa” e “Nos Capítulos Anteriores” quebrando o ótimo ritmo narrativo da minissérie de forma repentina, para explicar conceitos que já estavam subentendidos ou até mesmo explicitados pelo roteiro. A obviedade de algumas reviravoltas também pode atrapalhar a imersão total na série, embora essas soluções mais “fáceis” para as inúmeras teorias criadas estejam diretamente ligadas à classificação indicativa livre da produção que, como 90% das histórias de super-heróis, é primeiramente destinada a crianças.
Algumas das homenagens às sitcoms também poderiam ter sido melhor trabalhadas. Enquanto os primeiros capítulos se mantiveram quase exclusivamente na fórmula de “série dentro da série”, episódios como “Um Halloween Assustadoramente Inédito!” e “Derrubando a Quarta Parede” abandonaram rápido demais o formato. Na pressa de chegar ao clímax, a produção deixou de lado uma de suas características mais divertidas e um de seus principais atrativos para quem já se cansou da receita tradicional da Marvel nos cinemas, ou simplesmente está entrando nesse universo por meio de WandaVision.
Final bem amarrado, mas que não fecha portas
Às vésperas do finale de WandaVision, Matt Shakman chegou a preparar os fãs para uma conclusão potencialmente decepcionante, frustrante pela quantidade de teorias de fãs que não se realizariam. Felizmente, essa previsão do cineasta acabou não se concretizando. Embora não tenha abordado em nenhum momento multiverso, mutantes, ou Mephisto, o encerramento da minissérie deixou todas essas portas ligeiramente abertas para serem escancaradas no futuro.
Ao mesmo tempo, WandaVision cumpriu sua promessa de lidar com luto e contar uma história de perda em um núcleo fechado. “O Grande Final”, conclusão da minissérie, amarrou bem os fios criados desde o primeiro capítulo, sem precisar apelar para resoluções apressadas ou sem sentido que costumam dominar atos finais de blockbusters. A série também toma a decisão correta de manter seus principais personagens por perto, possibilitando que a história seja revisitada no futuro sem a necessidade de grandes reviravoltas ou alterações de continuidade.
Mesmo que tenha encontrado pequenas lombadas em seu caminho, WandaVision teve poucos problemas em entregar o que prometeu. Bem encaixada no contexto do MCU, a minissérie conseguiu homenagear alguns dos maiores clássicos da comédia norte-americana, ao mesmo tempo em que explorou delicadamente o luto de Wanda. Usando o cenário fantástico do MCU para refletir sobre um sentimento extremamente comum, a minissérie se coloca como uma das produções mais significativas da franquia e deve ser lembrada como uma estreia de gala do Marvel Studios no Disney+.