Séries e TV

Crítica

Xógum - A Gloriosa Saga do Japão faz drama eficiente apegado aos detalhes

Minissérie justifica o seu olhar estrangeiro com um senso cuidadoso de descoberta

Pedrinho
17.07.2024, às 14H06.

Se um pássaro não canta, eu o mato.” A frase historicamente atribuída a Oda Nobunaga, o grande unificador do Japão, serve perfeitamente para definir as relações em Xógum - A Gloriosa Saga do Japão. O remake da minissérie originalmente adaptada em 1980 mostra em que medida os personagens são definidos por suas funções, numa rede de reviravoltas que, de glorioso, reserva a eles muito pouco. Aqui, traição, mentiras e assassinatos são os ingredientes que tornam as intrigas palacianas do Japão de 1600 um fim em si mesmo.

Nesse lugar de ambição e desconfiança, os destinos do lorde Yoshi Toranaga (Hiroyuki Sanada), sua serva Toda Mariko (Anna Sawai) e o estrangeiro Anjin/Blackthorne (Cosmo Jarvis) se entrelaçam. Na trama, inspirada no livro homônimo de James Clavell publicado em 1975, Toranaga luta por sua vida enquanto seus inimigos no Conselho de Regentes do Japão se unem contra ele. É nesse momento em que o inglês Blackthorne chega num navio holandês para fazer frente à empreitada dos católicos portugueses nessa potencial nova colônia oriental. A vida dos dois se conecta graças à tradutora Mariko, uma nobre cristã de uma linhagem japonesa desonrada. Enquanto serve fielmente a Toranaga, ela se vê dividida entre o dever e o sentimento pelo estrangeiro.

Embora incorpore muitas das flutuações emocionais de natureza novelesca que marcam a obra, a relação entre os personagens é basicamente pautada pela lealdade - assim como a relação entre um senhor feudal e os seus samurais. A devoção pelos senhores dá o tom dos momentos climáticos de autossacrifício, e também das expectativas criadas em torno das intrigas palacianas - cujas alianças, as anunciadas e as secretas, as antigas e as novíssimas, têm a responsabilidade de manter o interesse do espectador até o último dos dez episódios. Essa relação de subserviência (ou simplesmente de honradez e palavra, na visão japonesa) só é questionada na medida em que o Anjin sofre os choques culturais de desembarcar no Japão feudal, e de resto esse choque faz parte do caldo de exotismo e orientalismo concebido pelo britânico Clavell também com seu olhar de estrangeiro.

É a partir do exotismo, desse olhar deslumbrado pela diferença, que Xógum demonstra se interessar pelos detalhes da cultura japonesa - um interesse que a série materializa no seu esmerado cuidado com a cenografia, os figurinos, os detalhes de desenho de produção. Nesse contexto em que o desenrolar da série pode ser muito bem monotemático ou telegrafado, os momentos de tensão e reviravolta exigem um certo malabarismo. Uma morte inesperada, um ataque repentino ou até mesmo um terremoto (ou dois) servem para dar à história um valor de surpresa e imprevisibilidade que ela, na prática, não comprova ter.

Por vezes comparada a Game of Thrones, série com a qual divide similaridades temáticas e visuais desde os seus créditos de abertura, Xógum mostra estar além da mera repetição usual da TV americana e que, apesar de jogar com convenções da narrativa orientalista e novelesca, ainda mantém suas especificidades. A discussão em torno de uma eventual continuação - seja como antologia, seja continuando a história de Yoshi Toranaga - evidencia o potencial que Xógum tem e que ainda sequer arranhou.

Nota do Crítico
Ótimo