À primeira vista, o australiano Craig Gillespie parece uma escolha certeira para dirigir Pam & Tommy por causa de um de seus projetos mais famosos no cinema: Eu, Tonya. Afinal, aqui temos outra história real dos anos 1990, que foi um gigantesco escândalo de tabloides na época, frustrando a trajetória vitoriosa de uma mulher famosa que nunca de fato conseguiu se recuperar do estigma trazido pelo caso. Por todas as suas (discutíveis) virtudes e defeitos, Tonya foi um gigante da sua temporada de premiações e efetivamente transformou a imagem de sua biografada no consciente coletivo.
É compreensível, portanto, que os produtores Seth Rogen e Evan Goldberg tenham trazido Gillespie para Pam & Tommy, na esperança de alcançar a especificidade da reconstituição de época do filme e, quem sabe, conseguir para Pamela Anderson o mesmo tipo de justiça poética que Tonya Harding alcançou, aos trancos e barrancos, por causa do filme. Curiosamente, no entanto, o cineasta escolheu trazer para a série, que estreou seus três primeiros episódios hoje (2) pelo Star+, muito mais de um outro projeto seu na televisão: Physical, do Apple TV+.
Assim como a produção estrelada por Rose Byrne, Pam & Tommy funda sua elaboração visual em uma fotografia de tons pastéis persistentes, rejeitando a visão caleidoscópica dos anos 1980 e 1990 que permeia produções que buscam se aproveitar da nostalgia do público por essa era. E, assim como Physical, a série do Star+ tem a oportunidade única de se posicionar como um questionamento da possibilidade da liberação dentro de um sistema que é construído em cima da exploração e capitalização de certos corpos e certas classes de pessoas.
Nick Offerman e Seth Rogen em cena de Pam & Tommy (Reprodução)
No sentido de aproximar essas duas obras e representar o olhar necessário para elas expressarem seus pontos, Gillespie faz seu trabalho com brilhantismo aqui. O problema do diretor é que (ao contrário de Annie Weisman, criadora de Physical) o roteirista Robert Siegel não traz à série nenhum insight verdadeiro sobre seus temas. Por exemplo: Pam & Tommy está mais do que satisfeita em utilizar a dimensão patética da vida de Rand (Rogen) e o classismo grosseiro de Tommy Lee (Sebastian Stan) para explicar ou justificar - a linha é tênue - o roubo da sex tape do casal formado pelo roqueiro e por Anderson (Lily James).
De forma semelhante, a série se delicia com o retrato do estilo de vida gregário e superficialmente glamuroso do pornógrafo responsável pela distribuição da fita, Uncle Miltie (Nick Offerman), acompanhando-o em viagens pelo mundo para esconder o dinheiro de seu empreendimento e fazendo-o uma espécie de figura paterna para Rand. Grande parte do foco dos três primeiros episódios recai sobre esses dois personagens, e logo fica evidente que Pam & Tommy está mais interessada em desvendar os detalhes suculentos dos bastidores dessa indústria prestes a sofrer uma revolução técnica do que em lançar um olhar mais honesto para seus aspectos abusivos.
Ao mesmo tempo em que o impulso de dosar com cuidado as aparições dos personagens título da série é compreensível (você não quer deixar o cliente saciado logo na entrada de uma refeição completa, certo?), o efeito é adverso: nesses três episódios, a demora para estabelecer a Pam de Lily James como protagonista da sua própria história significa que, antes de a entendermos como indivíduo, a vemos mais uma vez como objeto, sob o olhar de Rand em um encontro fortuito na mansão do casal, e sob o olhar de Tommy no capítulo que detalha o relacionamento alucinante dos dois.
Sebastian Stan como Tommy Lee em Pam & Tommy (Reprodução)
Pamela Anderson como objeto de desejo masculino é um ângulo não só redutivo e misógino como também, acima de qualquer coisa, batido. Nós estamos observando a atriz se mover por um mundo que a entende assim por décadas, e Pam & Tommy não é inteligente o bastante para se posicionar crítica ou satiricamente diante da forma como ela é olhada e entendida pelos homens em sua vida (por mais que Sebastian Stan se esforce para isso, com o seu Tommy equilibrado entre o imprevisível e o bobo). Ao invés disso, as aparições de Pam durante os primeiros capítulos raramente se afastam de um viés fetichista, e pouco esclarecem sobre quem ela é como mulher.
Difícil negar, no entanto, que Lily James faz maravilhas com esses poucos insights. Completamente transformada em sua personagem pela maquiagem, é até difícil entendê-la em cena como intérprete - na maior parte do tempo, o espectador apenas a entende como Pamela Anderson -, mas há uma inteligência óbvia por trás da forma como ela modula a sua performance. Essencialmente, a atriz britânica faz o trabalho que o roteiro não fez, desconstruindo Pam, o ícone pop, para construir de volta uma jovem doce, cheia de gostos e trejeitos particulares, que tinha algo único a trazer para o mundo como artista… se alguém ao menos a tivesse pedido.
A tragédia inerente dessa história, e o quanto ela fala sobre a forma como ainda conceituamos e agimos diante do feminino na sociedade, passa virtualmente despercebida por Pam & Tommy. Sem brilho como comédia e nem como drama, a série fica em um limbo desconfortável e insípido nesses primeiros episódios.