A adaptação de A Roda do Tempo na televisão já chega condenada a um estigma: ser comparada com Game of Thrones ou ser esperada como a próxima Game of Thrones. Isso sempre acontece no mundo artístico, quando um autor inspira outro, que inspira outro e assim a roda vai girando e o público vai se dividindo. É importante ter em mente que os estúdios e as editoras estão claramente tentando alimentar um filão, mas que cada autor tem sua visão, seus planos, seus objetivos emocionais. E é no meio do processo criativo que ficará claro se a obra vai soar como só mais um investimento oportunista ou como uma divertida maneira de manipular o gênero.
Robert Jordan, criador do universo de A Roda do Tempo, escreveu 11 dos 14 volumes que completam a saga. Após sua morte, em 2007, os últimos livros foram terminados por Brendan Sanderson, que seguiu algumas orientações deixadas por Jordan antes de sua morte. É uma quantidade de material suficiente para muitos anos de série e também uma segurança de que os produtores terão suas bases determinadas do começo ao fim (o que não acontece sempre). Mas, com livros circulando por aí, nenhuma adaptação pode ser totalmente burocrática. Fãs precisam ser honrados, mas também surpreendidos.
No mundo da série, a mitologia é bem complexa nos detalhes, mas simples no plano geral. Moiraine (Rosamund Pike), que faz parte de uma ordem de mulheres poderosas que são as únicas com permissão para praticar magia, sabe que o Dark One, esse mal essencial, está chegando. Tanto ela quanto ele estão em busca do Dragão Renascido, uma espécie de líder que reencarna de tempos em tempos e pode salvar ou destruir o planeta, dependendo de quem encontrá-lo primeiro. O problema é que Moiraine não sabe quem poderia ser o Dragão e precisa levar consigo 5 jovens que podem ser o escolhido da profecia.
Tick Tack
Para começar, não se pode falar absolutamente nada de negativo sobre o nível de investimento da Amazon na construção de A Roda do Tempo. Há um cuidado em usar o máximo possível de locações reais e manter seu elenco dentro do campo da relevância. Os jovens foram bem escalados, mesmo que seja um pouco difícil reconhecer o papel de cada um nos poucos episódios que iniciam essa curta temporada. Há uma atenção especial ao casal Rand (Josha Stradowsky) e Egwene (Madeleine Madden), para que a chegada de Moiraine tenha impacto suficiente dentro da narrativa. Sabemos que a chegada dela vai afetar todo o vilarejo, mas os primeiros roteiros também precisam deixar alguns trunfos na manga.
A belíssima direção de arte, de fotografia, seguram a série por quase todos os lados. O texto, contudo, fica no chavão das séries de fantasia, onde nada pode ser dito claramente e todo diálogo precisa ser cifrado e solene. Rosamund Pike, que já tem uma imensa tendência em surgir na tela robotizada, ficou com a pior parte desses diálogos. Absolutamente tudo que ela diz é enigmático, tem o peso de uma grande revelação que não vem. E a grandiosidade da personagem na história, hierarquicamente falando, obrigam Rosamund a ter um tom cada vez mais austero, soberano. No final do primeiro episódio, sua entrada é parte de uma sequência deslumbrante, cheia de ação, tecnicamente impecável, fazendo com que a série fique definitivamente no nosso radar.
Tanto o elenco quanto a produção da série já anunciaram mudanças que, inclusive, podem esconder a verdadeira identidade do Dragão por mais tempo que nos livros; e, inclusive, mantê-la considerada entre qualquer um dos 5, homens ou mulheres. Rand, Perrin (Marcus Rutherford) e Mat Cauthon (Barney Harris) dividem o spot com Egwene e com Nynaeve (Zoe Robbins). É bastante improvável que a série tenha coragem de mudar tão drásticamente o material original (os leitores já sabem há muito tempo quem é o Dragão), mas é animador saber que para manter todo tipo de público interessado, eles precisarão ser corajosos com muitas coisas.
Com uma segunda temporada já em andamento, é cedo para dizer que a produção não vai encontrar o equilíbrio entre fantasia e “realidade” (ou humanidade), mas A Roda do Tempo gira rápido. Não basta só fazer parte da fila de universos fantásticos. É preciso encontrar um jeito de nos fazer acreditar nele.
A Roda do Tempo estreia no catálogo do Amazon Prime Video em 19 novembro.