[O texto abaixo traz spoilers de Batman]
Gotham está submersa. Mesmo que não tenha tido sucesso em seu plano de recrutar o Cavaleiro das Trevas para auxiliá-lo em um doentio processo de purificação da cidade, o Charada (Paul Dano) conseguiu destruí-la quase que completamente, provocando caos em absolutamente todas as suas esferas sociais — e que serve para preparar uma boa dose de produções derivadas do universo pensado pelo cineasta e co-roteirista Matt Reeves. É esse cenário de incerteza que encerra o terceiro ato de Batman, que abre com o mascarado Bruce Wayne (Robert Pattinson) enfim ficando cara a cara com o serial killer que aterroriza a cidade desde a noite de Halloween.
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Charada se deixou prender, e é mantido preso no Asilo Arkham para os Criminalmente Insanos. Convencido de que a intenção do assassino é expôr ao mundo sua identidade secreta, o Batman acata o pedido por uma reunião e vai de encontro a ele, descobrindo estar enganado. Charada vê no Cruzado Encapuzado uma inspiração, acreditando que Bruce Wayne é só um alvo que escapou por sorte, e explica que deixou mensagens para o Homem-Morcego pois precisava de ajuda em sua missão de assassinar líderes corruptos da cidade: “Eu não sou físico, minha força está aqui”, diz, apontando para sua cabeça.
A cena é uma exploração bem didática do conceito frequentemente discutido por fãs de que a existência do Batman invoca a existência de criminosos que seguem seu padrão mais teatral de ação, dando origem ao ról excêntrico de inimigos do personagem em uma relação cíclica de causa e efeito. Onde Batman aprofunda a questão é ao colocar a razão desse processo na forma que Bruce Wayne posiciona o Cavaleiro das Trevas junto à população de Gotham: movido apenas por vingança, ele irá despertar o mesmo sentimento em quem o admirar, admitindo a natureza errática dele — e se tornando parcialmente responsável pelo que as pessoas escolherem fazer a partir disso.
Horrorizado pela ideia de que um criminoso pode sentir qualquer identificação com ele, e ainda usar isso para justificar mais crimes, Bruce Wayne troca o alívio por manter sua identidade em segredo pela revolta de não saber qual é o verdadeiro objetivo do vilão, o questionando de maneira raivosa. Forçado a retornar à casa do Charada para buscar respostas, o Batman enfim entende que o assassino queria expor todo o passado de corrupção da elite de Gotham apenas como argumento para a convocação de apoiadores. Com a ajuda deles, ele coordenará uma série de assassinatos a figuras políticas e civis durante a celebração da eleição da nova prefeita, Bella Reál (Jayme Lawson). Pior: tudo será viabilizado com a explosão da represa que cerca a maior parte da cidade, inundando-a quase que completamente e forçando toda a população a se reunir em um único lugar.
Antes que o Batman possa fazer qualquer coisa para evitar a invasão das águas, uma série de explosões sequenciais dá início ao dilúvio de Gotham, fazendo com que a única opção do Cavaleiro das Trevas seja ir de encontro aos aliados do Charada para impedir mais mortes. Escondidos no interior do maior ginásio da cidade, onde Reál anuncia sua vitória na eleição, eles conseguem balear a política, mas logo o herói surge e, um a um, vai incapacitando os inimigos. A coisa complica quando ele toma um tiro à queima-roupa no peito, mas Selina Kyle (Zoë Kravitz) consegue tirá-lo de perigo. A fim de retribuir o favor e salvar a aliada de um último criminoso, o Homem-Morcego recorre à injeção de um líquido verde que o deixa mais forte e agressivo, quase o levando a matar o homem.
Considerando o cânone do personagem no universo DC, bem como o esforço do diretor e co-roteirista Matt Reeves em povoar com muitas referências e easter eggs das HQs, o líquido parece uma referência direta ao Veneno — a substância que confere ao vilão Bane sua força sobre-humana — e à HQ de 1992 Batman: Veneno, onde um enfraquecido Bruce Wayne recorre à droga para reconquistar sua aptidão física, mas ao custo da sua moral.
Acordado do seu transe violento pelo tenente James Gordon (Jeffrey Wright), Bruce entende a necessidade de um sacrifício altruísta em nome da proteção daqueles que sobreviveram às águas, mas estão presos no interior do ginásio. Com fios elétricos ameaçando a vida de todos ali, o Cavaleiro das Trevas se lança em um salto potencialmente fatal para não só eliminar a ameaça de choque como também guiá-los em meio à escuridão. É um simbolismo poderoso que conclui a transição dele de um vigilante vingativo para um herói movido pela necessidade de inspirar esperança.
As cenas seguintes retomam o clima da abertura do filme, com uma narração em off conduzida por Bruce resumindo não só a sua jornada particular de mudança, mas a mudança pela qual passou Gotham. Com muitos de seus líderes corruptos mortos, mais o caos provocado pela enchente, a cidade verá um crescimento nas atividades criminosas visando não só a exploração do estado de calamidade, como também a tomada do poder deixado pelo gângster Carmine Falcone (John Turturro). Nesse contexto, entendemos que a polícia terá de se reinventar, abrindo espaço para que Gordon se torne comissário; revemos o Pinguim (Colin Farrell), vislumbrando o horizonte como quem planeja uma rota de ascensão no submundo criminoso (que será detalhada em série na HBO Max); e também reencontramos o Charada, dentro do Asilo Arkham, onde ele é reconfortado por uma figura misteriosa.
Veja, a intenção verdadeira do assassino era destruir não só as estruturas sociais e físicas de Gotham, mas também o espírito de sua população. Ao se apresentar a eles como um defensor, um guardião, o Batman resgatou essa moral, frustrando o maníaco por enigmas. Quem toma suas dores é um prisioneiro misterioso (Barry Keoghan), que fala sobre palhaços e amigos, em um diálogo que faz alusão ao fato de que a única carta singular em um baralho é a do curinga. É, claro, uma referência ao principal vilão do Homem-Morcego, o Coringa, que pode ou não retornar em um novo filme dessa versão do herói.
A trama, então, se encerra com uma despedida agridoce entre Batman e Mulher-Gato. No diálogo que o casal protagoniza antes do adeus, fica claro o entendimento dela de que ele sempre estará comprometido com a proteção de Gotham, o que reafirma a reconfiguração do herói como um defensor, e não um vingador. Um último olhar do Cavaleiro das Trevas no retrovisor de sua moto, entretanto, deixa claro: esse não deve ser o último encontro de ambos. Sem cenas pós-créditos, Batman só traz uma despedida jocosa deixada pelo Charada, indicando seu possível retorno em uma aliança com a figura misteriosa que o consolou no Arkham, e um lembrete para o acesso do site viral oficial do filme.
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