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Crítica

Além das Montanhas | Crítica

A herança do comunismo se confunde com a figura cristã do pai em mais um filme romeno sobre o choque do velho e do novo

10.01.2013, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H51

O cinema romeno ainda lida com a herança de atrasos que o comunismo deixou ao país, e é nos filmes de Cristian Mungiu que a modernidade parece atropelar mais impiedosamente o modo de vida estagnado dos romenos.

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Se em 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias esse relato era essencialmente urbano, o que torna mais sutis as diferenças entre o arcaico e o novo, em Além das Montanhas (Dupa Dealuri) o diretor vai aos grotões, como o próprio nome diz, e promove um choque mais radical entre os dois extremos: acompanhamos uma relação moderna, um amor lésbico correspondido, ambientado no cenário mais antigo possível, um monastério ortodoxo para freiras, administrado por um padre que todas elas chamam de pai.

No centro da trama estão as amantes Alina e Voichita, que cresceram juntas em um orfanato na região, antes de Alina se mudar para a Alemanha e Voichita ingressar no convento. No reencontro das duas logo se dá o choque: Alina quer levar Voichita consigo para a Alemanha, enquanto a freira diz que seu lugar agora é ali, além das montanhas. Alina tenta então se adaptar aos modos do monastério - processo que toma boa parte das dolorosas duas horas e meia de filme.

A base de Além das Montanhas é uma história acontecida na Moldávia em 2005, que Tatiana Niculescu Bran registrou em dois romances de não-ficção e que Mungiu adapta ao estilo de seus compatriotas, como Radu Muntean (Terça Depois do Natal): seco e desafetado, particularmente puxado para um humor bastante negro, cruel mesmo, que usa o absurdo de situações rotineiras para fins tragicômicos.

Um dos requintes de crueldade de Mungiu aqui é sonegar ao espectador informações sobre o padre. Um momento de intimidade com o "pai" no convento, uma sessão no confessionário, desperta em Alina um ódio inesperado - entendemos, então, por toda uma questão de bagagem cultural, que o padre abusou da garota, mas o filme não esclarece isso. Ao alimentar a dúvida, Mungiu, inteligentemente, transforma o comportamente de Alina em uma aversão não apenas a esse padre específico, mas a qualquer figura paternalista.

É a negação daquele velho Estado-pai do comunismo, afinal, que o cineasta busca firmar, ao associar os seus personagens masculinos com símbolos de omissão (o irmão lesado de Alina, o pai adotivo), burocracia (os policiais na delegacia) e autoritarismo (o próprio padre). Se em 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias a questão da mulher em um mundo de homens já era tratada de frente, com o tema da maternidade, aqui não é diferente: são elas que mais sofrem com o peso de assumir a responsabilidade pelas mudanças.

Enquanto isso, a modernidade bate à porta: mesmo além das montanhas, a vizinhança do convento já sofre com a especulação imobiliária. O despreparo para lidar com os novos tempos envolve o espectador até o acaçapante plano final do filme, em que mesmo fechados dentro de um carro podemos ouvir todos os barulhos que vêm de lá de fora, a cacofonia do tempo e do mundo que não param.

Além das Montanhas | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo
Além das Montanhas
Dupa Dealuri
Além das Montanhas
Dupa Dealuri

Ano: 2012

País: Romênia, França

Classificação: 12 anos

Duração: 150 min

Direção: Aya Koretzky

Onde assistir:
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