São famosas as disputas entre executivos de Hollywood e diretores com senso de autoria, uns preocupados em fazer dinheiro e outros em fazer arte, mas quase nunca ficamos sabendo dos detalhes sórdidos. Quase.
Sai nos Estados Unidos no dia 20 de julho o livro The man who heard voices: Or, how M. Night Shyamalan risked his career on a fairy tale, escrito pelo repórter da Sports Illustrated Michael Bamberger. São 278 páginas falando, basicamente, sobre como a parceria do diretor indiano com o Walt Disney Studios erodiu, depois seis anos e quatro filmes, em um chororô de mágoas - e alguma assombração.
Shyamalan, hoje com 35 anos, encontrou na Casa do Mickey espaço para crescer, desde 1999, com O sexto sentido, até chegar ao ponto em que seu nome aparece diante do título do filme, coisa que poucos como Hitchcock se dão ao luxo de conseguir. Veio Corpo fechado (2001), Sinais (2003) e A vila (2005), mas na hora de apresentar o roteiro de A dama na água aos executivos do estúdio as coisas desandaram.
O livro - produzido com colaboração e total aval do cineasta - se dedica principalmente ao episódio, um jantar num restaurante em Philadelphia no qual as duas partes, Shyamalan e Disney, conversariam sobre o roteiro. Era 15 de fevereiro de 2005, dia que o diretor passou a chamar de Massacre de São Valentim, em referência ao Dia dos Namorados mundial. A presidente de produção, Nina Jacobson, senta-se ao lado do indiano e diz que ela e o diretor do estúdio, Dick Cook, não pegaram a idéia do filme. De acordo com o livro, as críticas saíam da boca dela sem a menor filtragem.
Você diz que isso é engraçado; eu não dou risada. Você vai incluir uma crítica aos críticos de cinema? Eles o matarão... E o seu personagem está grande demais, eles o matarão de novo. E o que rola com esses nomes? Scrunt? Narf? Tartutic? Não funciona. Não pega. Não comprei. Não peguei. Não funciona, reproduz Bamberger as palavras de Nina Jacobson. Night ficou esperando ela dizer que não gostou até do tipo de letra usado na impressão do roteiro, escreve. Não por acaso, ela é o alvo principal do livro, mas curiosamente era a pessoa, segundo Shyamalan, com quem ele tinha mais intimidade dentro da Disney.
No livro, Shyamalan julga: diz que sentiu, por algum tempo, que havia presenciado a queda da visão criativa dela diante de seus próprios olhos. Ela não queria diretores iconoclastas. Ela queria diretores que fizessem dinheiro. O cineasta ficou um ano sem falar com a executiva, até março deste ano, quando ele a convidou para um café-da-manhã. Depois Shyamalan descobriria que, como ele próprio, Nina Jacobson também desabou no choro sozinha em seu quarto depois do jantar do dia 15.
As lágrimas do cineasta, porém, demoraram para secar. Ainda que Cook suplicasse ao final do jantar - Simplesmente faça esse filme com a gente. Nós vamos te dar 60 milhões. Faça o que quiser. Não vamos tocar no filme. Nos vemos na première - o indiano foi procurar outro estúdio. Bateu na porta da Warner Bros., que estréia o filme um dia depois do lançamento do livro.
Em entrevista ao Los Angeles Times, Bamberger rapidamente se exime de qualquer culpa, ao dizer que o livro é, em sua totalidade, o ponto de vista do cineasta. [O livro] não tem a intenção de ser equilibrado. É uma visão de Night sobre como Night funciona, explica. Essa visão, como em seus filmes, tem muito de fantasia. No livro, Shyamalan diz que era assombrado pelos executivos da Disney: Às vezes Night poderia fechar seus olhos e ver pequenos ovais negros e brancos com as cabeças de Nina Jacobson, Oren Aviv [chefe do departamento de marketing] e Dick Cook flutuando ao seu redor, como convidados que nunca deixavam a sua casa. Ainda segundo Bamberger, a gente da Disney interferia no bom trabalho que as vozes na cabeça de Shyamalan deveriam fazer.
Do seu lado, Jacobson não quis comentar o livro ou sua relação com Shyamalan, mas falou ao jornal sobre essa tensa relação arte-indústria. Um desencontro de visões em uma obra em particular não significa que isso seja o fim de uma relação. Às vezes não é muito fácil ter uma troca honesta de idéias. Mas para ter uma boa relação em Hollywood, a mais próxima possível de uma relação real, é preciso ter idas e vindas das coisas boas e das coisas más. Pessoas diferentes têm idéias distintas do que é respeito. Para nós, ser honesto é a maior demonstração de respeito a um cineasta, defende-se.